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OCTAVIO PAZ
Poeta mexicano sintetizou tendências e abriu novos caminhos
NELSON ASCHER
da Equipe de Articulistas
O mexicano Octavio Paz morreu, aos 84 anos, como o escritor
latino-americano mais celebrado
de seu tempo.
Duas circunstâncias centrais, no
entanto, concorreram sempre
contra a amplitude que seu renome finalmente alcançou: ele era
um homem polêmico e, sobretudo, o centro de sua obra é ocupado
por um gênero nada popular, a
poesia.
Ainda assim seu peso era sem rival, primeiro em seu próprio país,
o México, onde desfrutava vitaliciamente de uma virtual presidência paralela, tamanha era sua influência, e, em seguida, no resto
do mundo, um mundo para o qual
o Nobel de literatura que ganhou
em 90 não passou da confirmação
de uma importância reconhecida
até pelos inimigos.
Nas duas últimas décadas, Paz se
tornou o verdadeiro epítome literário de seu subcontinente, só
que, ao contrário do único outro
poeta que esteve perto de representar esse papel, o chileno Pablo
Neruda, ele não o deveu à máquina propagandística dos partidos
comunistas do apogeu da Guerra
Fria, mas tão somente aos seus
méritos.
Octavio Paz nasceu na cidade do
México em 1914, numa família envolvida em política (seu pai combatera, na Revolução Mexicana,
junto com Zapata) e foi influenciado de início pelo renascimento
da poesia hispânica que, conhecido como "modernismo", principia com Ruben Darío e culmina na
Geração de 27, cujo nome mais famoso é o de García Lorca.
Paralelamente, ele se deixou
contagiar pelo surrealismo francês. Militante de esquerda naquele
tempo, Paz tomou parte na Guerra
Civil espanhola e, de volta ao seu
país, conviveu com poetas espanhóis, como Luis Cernuda, que lá
buscaram refúgio após a derrocada da República.
Pouco depois chegariam outros
exilados ao México, fugindo das
invasões nazistas, entre eles ninguém menos que André Breton, o
fundador do surrealismo. Depois
da guerra, estabelecido em Paris, o
mexicano se tornaria o primeiro
estrangeiro a ser admitido oficialmente no grupo.
Além de poesia, ele dedicou-se
desde cedo à crítica literária e a escrever ensaios históricos e políticos. "O Labirinto da Solidão", seu
primeiro grande livro, redigido na
virada dos anos 40/50, justamente
uma discussão da história e, por
assim dizer, do temperamento
mexicano, ocupa entre seus conterrâneos o lugar que os brasileiros reservam para "Casa Grande &
Senzala" ou "Raízes do Brasil".
O ápice de sua crítica foi atingido
numa trilogia que, composta por
"O Arco e a Lira", "Os Filhos do
Barro" e "A Outra Voz", é a um
tempo uma espécie de história e
uma das principais interpretações
já feitas da tradição poética ocidental.
Seu interesse pela política o levou a discutir tanto a situação de
seu país, por exemplo em "O Ogro
Filantrópico" (o apelido que dera
ao PRI, Partido Revolucionário
Institucional, que ainda domina o
México), quanto o que acontecia
no mundo, como em "Pequena
Crônica de Grandes Dias", sobre o
desmoronamento dos regimes comunistas em 89.
Ele também traduziu alguns
poetas estrangeiros, principalmente japoneses (é dele a primeira
tradução ocidental do grande diário de viagem "Oku no Hosomichi", de Basho), chineses e um
português, Fernando Pessoa, cuja
fama internacional ele ajudou a
consolidar quando, 30 ou 40 anos
atrás, ainda poucos o conheciam e
ele criou e/ou editou várias revistas, entre elas, "Vuelta".
Tudo isso era importante, mas o
centro ao redor do qual todas essas atividades gravitavam era a
poesia. Sua origem surrealista e
seu amadurecimento, aliás tardio,
numa época em que o apogeu da
modernidade internacional já havia passado, podem sugerir a imagem de um pequeno mestre regional, atrasado e derivativo.
Não é assim, porém, que sua
poesia é lida em edições completas
traduzidas para todas as línguas
do Ocidente (exceto, é claro, a
nossa). O mexicano é visto, com
justiça, como um poeta que sintetizou muito das tendências líricas
anteriores e abriu outros tantos
caminhos novos. Se o surrealismo
resultava, pelo menos em parte, de
uma querela entre franceses, Paz
lançou mão dos recursos desse
movimento, de seu interesse às vezes turístico por lugares exóticos e
seus produtos, para realmente introduzir na poesia contemporânea
uma série de preocupações, temas
e abordagens provenientes de culturas não européias, como a mexicana pré-colombiana, naturalmente, mas também as do extremo Oriente.
Assim, a obra que marca o momento exato quando, antes apenas
bom, ele se torna enfim um grande poeta, "Pedra do Sol", é um
poema que fala de muitas coisas,
da guerra na Espanha, de suas recordações amorosas, do assassinato, no México, de León Trótski,
mas, tomando como elemento estruturador o calendário asteca, remete também ao passado remoto,
pré-europeu, das Américas.
Curiosamente, a cultura que parece ter sobre ele exercido a mais
longa influência não estava deste
lado do mundo, mas na Ásia, mais
precisamente na Índia.
O poeta, aliás, serviu durante
anos como embaixador de seu
país na Índia e só abandonou o
cargo em protesto contra seu governo que, prestes a sediar em sua
capital as Olimpíadas, reprimiu à
bala um protesto estudantil naquilo que entrou para a história como
o Massacre de Tlatelolco.
Isso aconteceu em 1968. Os anos
na Índia e os imediatamente seguintes renderam a Paz sua melhor poesia, reunida em "Salamandra" e "Ladera Este" (algo como "Vertente Leste"), bem como
seu poema mais ambicioso, "Blanco" ("alvo" nas duas acepções, ou
seja, de cor e de objeto ou ponto
contra o qual se dispara). Nesses
textos, valendo-se de um sem número de recursos que vão da livre
associação surrealista à forma do
haicai encadeado japonês, passando pela ironia britânica, ele expôs
uma visão que, tributária do ioga
tântrico e interessada nos êxtases
xamânicos da mescalina, entrelaça num sistema rigorosamente delirante a vida e a morte, o sexo e a
poesia lírica, tudo isso num espanhol ao qual não poucos dentre os
poetas de sua língua atribuem
uma perfeição cristalina.
Octavio Paz passou seus últimos
anos publicando intensamente,
intervindo (não necessariamente
para a alegria de todos) nos rumos
que seu país tomava, organizando
suas obras completas e acrescentando-lhes poemas, artigos, ensaios, memórias.
Sua mulher era uma beldade admirada e não são poucas as mulheres que o desejaram mesmo na
velhice, como tampouco foram as
homenagens que os mais diversos
países, universidades, instituições, companheiros de profissão,
críticos, historiadores da literatura e, principalmente, amigos lhe
renderam. Ele teve fama e fortuna
e, embora dispusesse de poder,
usou-o quase sempre para apoiar
boas causas. Foi feliz no amor, um
grande poeta e morreu octogenário. Quem pode querer mais do
que isso?
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