São Paulo, terça, 21 de abril de 1998

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OCTAVIO PAZ
Poeta mexicano sintetizou tendências e abriu novos caminhos

NELSON ASCHER
da Equipe de Articulistas

O mexicano Octavio Paz morreu, aos 84 anos, como o escritor latino-americano mais celebrado de seu tempo.
Duas circunstâncias centrais, no entanto, concorreram sempre contra a amplitude que seu renome finalmente alcançou: ele era um homem polêmico e, sobretudo, o centro de sua obra é ocupado por um gênero nada popular, a poesia.
Ainda assim seu peso era sem rival, primeiro em seu próprio país, o México, onde desfrutava vitaliciamente de uma virtual presidência paralela, tamanha era sua influência, e, em seguida, no resto do mundo, um mundo para o qual o Nobel de literatura que ganhou em 90 não passou da confirmação de uma importância reconhecida até pelos inimigos.
Nas duas últimas décadas, Paz se tornou o verdadeiro epítome literário de seu subcontinente, só que, ao contrário do único outro poeta que esteve perto de representar esse papel, o chileno Pablo Neruda, ele não o deveu à máquina propagandística dos partidos comunistas do apogeu da Guerra Fria, mas tão somente aos seus méritos.
Octavio Paz nasceu na cidade do México em 1914, numa família envolvida em política (seu pai combatera, na Revolução Mexicana, junto com Zapata) e foi influenciado de início pelo renascimento da poesia hispânica que, conhecido como "modernismo", principia com Ruben Darío e culmina na Geração de 27, cujo nome mais famoso é o de García Lorca.
Paralelamente, ele se deixou contagiar pelo surrealismo francês. Militante de esquerda naquele tempo, Paz tomou parte na Guerra Civil espanhola e, de volta ao seu país, conviveu com poetas espanhóis, como Luis Cernuda, que lá buscaram refúgio após a derrocada da República.
Pouco depois chegariam outros exilados ao México, fugindo das invasões nazistas, entre eles ninguém menos que André Breton, o fundador do surrealismo. Depois da guerra, estabelecido em Paris, o mexicano se tornaria o primeiro estrangeiro a ser admitido oficialmente no grupo.
Além de poesia, ele dedicou-se desde cedo à crítica literária e a escrever ensaios históricos e políticos. "O Labirinto da Solidão", seu primeiro grande livro, redigido na virada dos anos 40/50, justamente uma discussão da história e, por assim dizer, do temperamento mexicano, ocupa entre seus conterrâneos o lugar que os brasileiros reservam para "Casa Grande & Senzala" ou "Raízes do Brasil".
O ápice de sua crítica foi atingido numa trilogia que, composta por "O Arco e a Lira", "Os Filhos do Barro" e "A Outra Voz", é a um tempo uma espécie de história e uma das principais interpretações já feitas da tradição poética ocidental.
Seu interesse pela política o levou a discutir tanto a situação de seu país, por exemplo em "O Ogro Filantrópico" (o apelido que dera ao PRI, Partido Revolucionário Institucional, que ainda domina o México), quanto o que acontecia no mundo, como em "Pequena Crônica de Grandes Dias", sobre o desmoronamento dos regimes comunistas em 89.
Ele também traduziu alguns poetas estrangeiros, principalmente japoneses (é dele a primeira tradução ocidental do grande diário de viagem "Oku no Hosomichi", de Basho), chineses e um português, Fernando Pessoa, cuja fama internacional ele ajudou a consolidar quando, 30 ou 40 anos atrás, ainda poucos o conheciam e ele criou e/ou editou várias revistas, entre elas, "Vuelta".
Tudo isso era importante, mas o centro ao redor do qual todas essas atividades gravitavam era a poesia. Sua origem surrealista e seu amadurecimento, aliás tardio, numa época em que o apogeu da modernidade internacional já havia passado, podem sugerir a imagem de um pequeno mestre regional, atrasado e derivativo.
Não é assim, porém, que sua poesia é lida em edições completas traduzidas para todas as línguas do Ocidente (exceto, é claro, a nossa). O mexicano é visto, com justiça, como um poeta que sintetizou muito das tendências líricas anteriores e abriu outros tantos caminhos novos. Se o surrealismo resultava, pelo menos em parte, de uma querela entre franceses, Paz lançou mão dos recursos desse movimento, de seu interesse às vezes turístico por lugares exóticos e seus produtos, para realmente introduzir na poesia contemporânea uma série de preocupações, temas e abordagens provenientes de culturas não européias, como a mexicana pré-colombiana, naturalmente, mas também as do extremo Oriente.
Assim, a obra que marca o momento exato quando, antes apenas bom, ele se torna enfim um grande poeta, "Pedra do Sol", é um poema que fala de muitas coisas, da guerra na Espanha, de suas recordações amorosas, do assassinato, no México, de León Trótski, mas, tomando como elemento estruturador o calendário asteca, remete também ao passado remoto, pré-europeu, das Américas.
Curiosamente, a cultura que parece ter sobre ele exercido a mais longa influência não estava deste lado do mundo, mas na Ásia, mais precisamente na Índia.
O poeta, aliás, serviu durante anos como embaixador de seu país na Índia e só abandonou o cargo em protesto contra seu governo que, prestes a sediar em sua capital as Olimpíadas, reprimiu à bala um protesto estudantil naquilo que entrou para a história como o Massacre de Tlatelolco.
Isso aconteceu em 1968. Os anos na Índia e os imediatamente seguintes renderam a Paz sua melhor poesia, reunida em "Salamandra" e "Ladera Este" (algo como "Vertente Leste"), bem como seu poema mais ambicioso, "Blanco" ("alvo" nas duas acepções, ou seja, de cor e de objeto ou ponto contra o qual se dispara). Nesses textos, valendo-se de um sem número de recursos que vão da livre associação surrealista à forma do haicai encadeado japonês, passando pela ironia britânica, ele expôs uma visão que, tributária do ioga tântrico e interessada nos êxtases xamânicos da mescalina, entrelaça num sistema rigorosamente delirante a vida e a morte, o sexo e a poesia lírica, tudo isso num espanhol ao qual não poucos dentre os poetas de sua língua atribuem uma perfeição cristalina.
Octavio Paz passou seus últimos anos publicando intensamente, intervindo (não necessariamente para a alegria de todos) nos rumos que seu país tomava, organizando suas obras completas e acrescentando-lhes poemas, artigos, ensaios, memórias.
Sua mulher era uma beldade admirada e não são poucas as mulheres que o desejaram mesmo na velhice, como tampouco foram as homenagens que os mais diversos países, universidades, instituições, companheiros de profissão, críticos, historiadores da literatura e, principalmente, amigos lhe renderam. Ele teve fama e fortuna e, embora dispusesse de poder, usou-o quase sempre para apoiar boas causas. Foi feliz no amor, um grande poeta e morreu octogenário. Quem pode querer mais do que isso?



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