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"VIVA VOZ"
Comédia burlesca de Paulo Morelli sofre com linguagem publicitária
CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Viva Voz" esbanja verniz e
paramentos visuais adequados para, pelo menos, cinco
modalidades de publicidade filmada. Itens como moda feminina, celulares, serviços bancários,
bronzeador e conscientização
quanto aos perigos do trânsito
são perfeitamente embrulhados
para venda. Paulo Morelli é membro da produtora O2, referência
na publicidade brasileira. Lá, o diretor construiu sólida carreira.
Na história criada por Morelli,
Duda (Dan Stulbach) é um empresário que está perto de receber,
ilegalmente, muito dinheiro. Inseguro, ele se sente culpado pela
morte do irmão, faz terapia e tem
um caso extraconjugal ao qual
quer abdicar. Duda visa assumir,
rico, vida nova e honesta ao lado
da mulher. Acidentalmente, seu
telefone celular é ativado. A mulher ouvirá todas as suas ações,
por horas, sem que ele saiba. A
partir daí, um círculo negro de
eventos conturbará o enredo.
Teremos, em síntese, uma história sobre pactos de confiança
quebrados. São tratados de plástico, compartilhados por humanos
de plástico, moradores de uma cidade plastificada: todos rumam
ao derretimento, em trajetória
burlesca. Morelli implanta na moral do filme um arrivismo caricatural e alienado de uma São Paulo
amputada das janelas dos carros.
Os espaços internos dos veículos são fartamente filmados, de
forma asfixiante. Não há brechas
para o que os vidros têm a dizer.
Quando dizem algo, o território
urbano, quase desabitado, lembra
o interior de uma maquete. Estamos em outro mundo, logo se vê.
O diretor provavelmente pretendeu refletir nessa zona, meio
ficção científica, os contornos dos
vícios de uma suposta classe média paulistana frívola, consumista
e aprisionada por aparatos tecnológicos. Morelli, porém, reduz essa gente a um grupo de bonecos
inofensivos. A tensão cômica é
frágil. Afetividade e traumas são
escarnecidos por meio de humor
raquítico, baseado em um anedotário erótico ressequido em banalidade. Todos os gestos e formas
perdem expressividade no olhar
que Morelli dirige às criaturas sintéticas que ele deseja derreter.
O filme não manipula como fetiche apenas a classe média. Faz o
mesmo com a imagem, que emudece em pálido artificialismo esverdeado. O diretor mostra-se interessado em acrobacias e filtros,
mas nunca na vocação que planos
possuem para comunicar, omitir
ou iludir. Gratuita, a câmera filma
intimamente uma calota em movimento e passa pelo buraco de
uma fechadura. Por quê?
Supõe-se: não estivemos somente no mundo de pesadelos indolores de uma realidade paulistana reproduzida em estranhas
próteses. Fizemos um tour pelo
mundo que Morelli, aparentemente, habituou-se a visualizar e
revestir, via linguagem de cinema,
em sua carreira publicitária.
Viva Voz
Direção: Paulo Morelli
Produção: Brasil, 2003
Com: Dan Stulbach, Vivianne
Pasmanter, Graziella Moretto
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Tamboré e circuito
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