São Paulo, sexta-feira, 21 de maio de 2004

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DVD

Longa de 1955, pertencente à fase mexicana do diretor surrealista, retrata os tormentos de um "serial killer" de mulheres

Buñuel desafia ordem com "Ensaio de um Crime"

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO

Um dos mais interessantes procedimentos artísticos do cinema foi o que levou Luis Buñuel, o radical diretor da vanguarda surrealista, a se transformar num autor de melodramas no México. "Ensaio de um Crime" (agora em DVD) é um ótimo exemplo de como o diretor espanhol, longe de abandonar as provocações do surrealismo, inseriu-as perversamente na narrativa convencional.
Buñuel (nascido em 1900) chegou ao México em 1946, ao cabo de um longo périplo, inclusive por Hollywood. Naturalizou-se mexicano em 1950 e ficaria no país até o início da década de 60, quando voltou à Europa. No final dos anos 70, retornou ao México, onde morreu em 1983.
Na América Latina, realizou 20 filmes, que podem ser assim classificados: as obras extraordinárias, os trabalhos interessantíssimos e as fitas de ocasião. Ao primeiro time, mais numeroso, pertencem "Os Esquecidos" (1950) e "Nazarín" (1958). Ao segundo bloco, "Ensaio de um Crime" (1955), também chamado de "A Vida Criminosa de Archibaldo de la Cruz".
Atormentado por um trauma infantil, Archibaldo é um estranho "serial killer" de mulheres. Ele tenta, mas nunca consegue consumar seus crimes, pois, quando vai realizá-los, o acaso intervém e a vítima morre por outros motivos. Archibaldo sente-se psicologicamente culpado, mas é legalmente inocente.
A história absurda é contada por Buñuel com um humor implacável e belicoso, promovendo um ataque geral às convenções morais, religiosas e jurídicas -enquanto narra um processo interior de superação da culpa e de libertação do desejo.
O pouco conhecido cinema mexicano de Buñuel precisa ser visto e revisto. Principalmente porque é uma das críticas mais agudas já feitas à formação psicológica e social da América Latina, expondo como poucos as suas raízes autoritárias, bem como os fantasmas religiosos das aspirações "revolucionárias". Toda vez que o cinema é invadido por santos, é hora de soltar os demônios de Buñuel.


Ensaio de um Crime
Ensayo de un Crimen
    
Direção: Luis Buñuel
Produção: México, 1955
Com: Miroslava Stern, Ernesto Alonso
Distribuidora: Versátil



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