|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CANNES 98
Taiwan apresenta primeiro favorito do festival
AMIR LABAKI
enviado especial a Cannes
Cannes-98 já
tem um favorito. Não, ainda
não é a vez do
dinamarquês
Lars Von Trier.
"Idioterne"
(Os Idiotas) fracassou retumbantemente ontem (leia abaixo).
Um filme em tudo oposto ao de
Trier veio por fora e se posicionou
com grandes chances para os prêmios máximos do festival: "Flowers of Shanghai" (Flores de Xangai), do cineasta de Taiwan Hou
Hsiao-hsien (lê-se rou tiao-tien).
Hsiao-hsien é desconhecido no
Brasil, mas cultuado na Ásia e na
Europa. Seus filmes jamais alcançaram nosso circuito comercial,
mesmo alguns tendo sido exibidos
na Mostra Internacional de São
Paulo.
"Cidade da Tristeza", um compassado épico familiar que resume
este século em Taiwan, arrebatou
em 1989 o Leão de Ouro de Veneza. Os três filmes que rodou desde
então concorreram em Cannes.
"O Mestre das Marionetes" (93)
valeu-lhe um Prêmio do Júri.
O cinema de Hsiao-hsien é árido, compassado, minimalista. São
filmes de cenas alongadas, poucos
cortes e ênfase no diálogo.
As primeiras obras privilegiavam quadros estáticos, com raros
movimentos de câmera.
Hsiao-hsien progressivamente foi
libertando sua câmera, passando a
estruturar seu filmes por meio de
meticulosos planos-sequência.
"Flowers of Shanghai" apresenta 42 planos em duas horas e
quatro minutos de projeção (um
filme de narrativa tradicional tem
em média dez vezes mais).
A história gira em torno de sexo,
mas não há nem sequer uma cena
de maior sensualidade. Em "Flowers", a mesa substitui a cama,
como se fosse a inevitável ante-sala social para o prazer individual.
Cada sequência ancora-se em torno de comida e bebida.
É uma visão avançada e protofeminista que Hsiao-hsien apresenta
em "Flowers". Situado na zona
nobre da opulenta Xangai de 1884,
reconstitui o ciclo de vida das
prostitutas de luxo da época.
Compradas por uma bagatela ou
simplesmente herdadas, as meninas de 8 ou 9 eram educadas para
servir aos ricos fregueses. Se tinham sorte, ao crescerem trabalhavam muito até conquistar um
grande cliente fixo.
As verdadeiras felizardas tinham
seu contrato de trabalho comprado e tornavam-se esposas ou
amantes bem instaladas. Algumas
poucas poupavam o bastante para
bancar a própria alforria.
"Flowers" rompe com o estereótipo de passividade e submissão da mulher oriental, em favor
de uma visão mais complexa e
equilibrada da guerra dos sexos.
O filme divide-se em três dramas
básicos. No principal, um homem
se vê dividido entre duas prostitutas. Ao casar-se com uma, compromete o bem-estar da outra.
A segunda história acompanha a
batalha de uma prostituta pela obtenção de sua independência, pela
compra do próprio "passe" junto
à administradora do bordel.
Por fim, na terceira trama, uma
bela e jovem cortesã busca desesperadamente o casamento, não se
contentando com um papel secundário na relação.
Hsiao-hsien faz um cinema exigente. Quando erra na trama, como no anterior "Good Men,
Good Women" (1996), impõe-se
a monotonia. "Flowers" não é
um filme fácil, mas propicia um
mergulho de rara complexidade
na misteriosa China do final do século passado.
O "Dogma-95" (leia trechos
abaixo), de Lars Von Trier, divulgado no festival, tem vários alvos,
mas é em essência um manifesto
contra Hollywood e contra o chamado "cinema de autor".
Sem estardalhaço, Hou
Hsiao-hsien apontou ontem a verdadeira alternativa para o primeiro e a força do segundo.
Martin Scorsese, na presidência
do júri, disse em entrevista: "Fui
cativado pela utilização do ritmo
pelo cinema de Taiwan, especialmente por Hou Hsiao-hsien". É
somar dois e dois.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|