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LIVRO
Shusterman insere cultura pop na academia
Ennio Brauns/Folha Imagem
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O filósofo americano Richard Shusterman, após debate no Tuca
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PATRICIA DECIA
da Reportagem Local
O filósofo americano leva a cultura pop à academia. Em "Vivendo a Arte - O Pensamento Pragmatista e a Estética Popular", que a
editora 34 lança no Brasil, Richard
Shusterman analisa em bases,
conceitos e linguagem filosóficas
uma poesia de T.S. Eliot e uma letra de rap do Stetsasonic.
Os dois textos funcionam como
exemplos aplicados de sua filosofia pragmatista, que rejeita o monopólio da alta cultura como único gênero digno de atenção estética legítima.
Shusterman nasceu nos EUA,
tem cidadania israelense, graduou-se em Jerusalém, fez doutorado em Oxford e ensina filosofia
na Universidade da Filadélfia.
Veio ao Brasil para lançar o livro, participar de debates no Rio e
em São Paulo e já pensa em incluir
o país num projeto que desenvolve
para a Unesco, batizado de Music
(Music, Urbanism, Social Integration and Culture). Na noite de anteontem, ele participou de debate
no Tuca, em São Paulo, dividindo
a mesa com os rappers e professores (leia texto abaixo). Antes, concedeu entrevista à Folha.
Folha - Por que estudar o rap?
Richard Shusterman - Uma das
razões é biográfica. Passei muito
tempo fora dos Estados Unidos.
Quando voltei, a idéia de pensar o
pragmatismo, que é uma corrente
norte-americana, e a cultura popular do país ajudou a minha reintegração e reassimilação de volta
àquela cultura.
Folha - Seu livro tenta legitimar a
cultura popular como objeto de
estudo da filosofia. Por que teve
de começar desse ponto?
Shusterman - Tento fazer a
ponte entre duas culturas. Sou um
professor universitário, um filósofo profissional, e o livro é estruturado de maneira a ligar a tradição
filosófica e estética a formas de
cultura novas e populares, que
nunca receberam o selo de cultura
legítima. Para muitas pessoas, isso
não importa, essa necessidade não
existe. Por outro lado, nos departamentos de filosofia, há uma tendência de não levar a cultura popular muito a sério e isso tornou-se um problema educacional.
Folha - De que maneira?
Shusterman - Há muitos estudantes que se interessariam em estudar e trabalhar com essa cultura,
mas sentem que ela não é séria ou
importante o suficiente. Então, devotam sua energia intelectual a outras coisas e ficam divididos. A cultura popular nunca teve uma análise filosófica, e há muitos argumentos fortes na história da filosofia sobre os motivos pelos quais ela
nunca poderá ser boa e inteligente,
enfim, arte. O livro quer misturar
todas essas coisas.
Folha - Essa mistura significa que
a filosofia vai se apropriar da cultura popular para mudá-la?
Shusterman - Antes de tudo, a
cultura popular está sempre mudando. Acho que a filosofia deve
estar envolvida, não para ditar leis,
mas como o estudo do mundo em
que vivemos. E a cultura popular é
uma parte importante desse mundo. Não é bom para a filosofia não
olhar para isso. A análise dos produtos da cultura popular pode ajudar a melhorar essa cultura. Essa é
minha posição, que eu chamo no
livro de meliorismo.
Folha - O que isso significa?
Shusterman - Não estou tentando dizer que todo a produção
popular é boa. Mas há coisas boas e
com muito potencial necessário
nas sociedades democráticas. Então, a filosofia e a crítica devem
trabalhar juntas para ter certeza de
que a cultura continue a melhorar.
A tendência atual é que, uma vez
que você decide que a cultura popular não precisa ser examinada
sob os critérios estéticos e artísticos, a única maneira pela qual você
mede o sucesso é quanto dinheiro
ela produz. Essa não é uma boa
fórmula.
Eu não fico apenas nos argumentos de justificação. Há um capítulo inteiro no livro sobre rap
que é minha visão de que fazer filosofia não é ficar apenas no campo
da argumentação abstrata, mas
ajudar as pessoas a apreciarem
melhor esses trabalhos de arte
misturando a crítica prática com
com teoria estética.
Folha - O sr. aponta no livro conexões entre a alta cultura e a cultura popular. Poderia explicar?
Shusterman - O pragmatismo
olha para as coisas historicamente.
Shakespeare, por exemplo, começou como cultura popular. As tragédias gregas, que são os maiores
clássicos, começaram como cultura popular e eram criticadas pelos
intelectuais de seu tempo. Sempre
houve uma conexão. A divisão foi
feita por uma certa cultura intelectual. O propósito do meu trabalho
é mostrar que as diferenças são
mais arbitrárias e impostas, contextuais e sociais, do que estéticas.
Folha - O que caracteriza uma
boa obra de arte?
Shusterman - Entre os critérios, eu diria um certo grau de unidade ou coerência, uma certa
quantidade de riqueza, multiplicidade, uma certa quantidade de
criatividade e inteligência, ter algo
a dizer sobre o mundo da experiência humana e algum tipo de relação significativa com a vida das
pessoas e a tradição artística. Esses
são critérios gerais, mas é sempre
bom ver como eles funcionam nos
casos específicos.
Folha - Qual sua posição sobre as
idéias da Escola de Frankfurt?
Shusterman - Eles têm esse
ideal de que, para um objeto de arte ser autêntico, tem de haver uma
expressão autêntica e única do indivíduo, não limitada por formas
fixas, como o tempo de um filme
ou a duração de um programa de
televisão. Eu não acho esses argumentos convincentes. Sonetos têm
uma forma fixa, catedrais medievais não foram construídas por
um único arquiteto com um conceito. Acho ingênua na Escola de
Frankfurt a posição de que, para
criticar o capitalismo, é preciso estar fora dele. Nada pode se sustentar fora do mundo. O universo tecnológico está em todo lugar. Por
outro lado, acho que você deve lutar para manter o valor mesmo no
processo comercial tecnológico
Folha - Como seu trabalho se relaciona com o de historiadores da
cultura popular?
Shusterman - Uma diferença
entre a abordagem histórica e a
pragmática é que minha filosofia é
engajada, não apenas descritiva. O
livro é mais do que um livro sobre
música pop. Há um capítulo inteiro sobre a arte de viver e ver a ética
não apenas como um modelo de
estrita moralidade religiosa ou
uma moralidade de mandamentos. Tento mostrar que os estilos
de vida do final do século 20 não
precisam ir em direção ao narcisismo, dandismo e esteticismo, que
há a possibilidade de combinar ética e estética para que as pessoas
possam viver melhor juntas.
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