São Paulo, sexta-feira, 21 de junho de 2002

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Mesmo com a aprovação de capital aberto, TVs têm dificuldades em atrair investidores

Sociedade anônima


Problemas judiciais e estrutura familiar afastam quem já estava assustado com a economia e a política brasileiras


DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A transformação da Globo em uma empresa de capital aberto, anunciada anteontem, é a primeira de uma série de mudanças que deverão acontecer na televisão brasileira após a aprovação da emenda constitucional que libera a entrada de investimento estrangeiro na mídia.
A nova regra, aprovada em maio pelo Congresso, não deve aliviar tão cedo a crise financeira das redes do país.
Há, no momento, dois motivos principais que emperram as parcerias entre emissoras brasileiras e empresas internacionais.
O primeiro e mais importante é que a emenda ainda depende de uma regulamentação para detalhar as regras para os acordos com sócios estrangeiros. Isso, considerando as eleições deste ano, deve ficar só para 2003, na avaliação de executivos das TVs.
O segundo problema é a situação econômica e política do Brasil, que tem afastado o investidor estrangeiro. "Seria um bom momento para investir na mídia brasileira, que, com a crise, está com os ativos desvalorizados. Mas o risco Brasil [medida da capacidade de o país honrar suas dívidas" está alto e o investidor estrangeiro está preferindo esperar uma definição das eleições", diz Álvaro Filpo, sócio da K2, empresa de consultoria que atua na área de mídia.
Fora as dificuldades externas, as próprias emissoras ainda não estão preparadas para atrair os sócios estrangeiros. A estrutura familiar e os problemas judiciais de algumas TVs são pontos que afastam as parcerias e que precisam ser resolvidos antes de qualquer tentativa de acordo externo.
A idéia é aproveitar outro ponto da nova emenda constitucional tão ou mais importante que a entrada do capital estrangeiro: a liberação da participação de pessoa jurídica na mídia.
Antes, empresas de comunicação só podiam estar registradas em nome de pessoas físicas, o que dificultava parcerias e investimentos. Agora, uma emissora de televisão pode pertencer, por exemplo, a uma empresa comercial ou ter ações negociadas em bolsas de valores.
Essa parte já está valendo, e o Ministério das Comunicações -que irá fiscalizar as mudanças nas empresas de radiodifusão- deu sinal verde para que as emissoras se reestruturem. O mercado avalia que essa etapa servirá como uma espécie de preparação ao capital externo e deve ir, pelo menos, até o final deste ano. Segundo um executivo de TV, é como se as emissoras estivessem "empacotando" o presente antes de oferecer aos investidores estrangeiros. Por enquanto, diz ele, as redes não estão preparadas para quaisquer acordos internacionais.
A Globo, que seria a mais atraente ao investidor estrangeiro, não tem planos para negociar tão cedo com o capital externo. Anteontem, executivos da emissora anunciaram a criação da Globo S.A. e deixaram claro que a prioridade é pulverizar ações em bolsas de valores nacionais. A estratégia é manter o controle acionário nas mãos da família Marinho e captar novos recursos no próprio país por meio de pequenos e médios investidores.
No mercado, já se especula que a Globo deverá agir nos bastidores do Congresso para adiar ao máximo a votação da lei que irá regulamentar a entrada dos estrangeiros na mídia. Assim, evita que a concorrência se capitalize.
O SBT, que andou "namorando" a rede mexicana Televisa, a Disney e a venezuelana Cisneros, também não pretende fechar negócio tão cedo. Por enquanto, deve se fixar em parcerias para a programação e não mexer no controle acionário da empresa. A emissora, atraente aos estrangeiros por um lado, também tem características que os afastam. Uma delas é o próprio estilo administrativo de Silvio Santos, considerado instável e centralizador.
A Record, terceira maior rede de TV do país, também está distante dos investimentos em dólar. Sua prioridade é tornar-se oficialmente uma televisão da Igreja Universal do Reino de Deus, já que atualmente a rede é registrada em nome de pessoas físicas de confiança do bispo Edir Macedo. A questão ainda é polêmica. Apesar de pessoa jurídica, a igreja é considerada uma entidade sem fins lucrativos e, portanto, não poderia ter uma rede de televisão comercial. O assunto deverá ser tratado na regulamentação da emenda constitucional.
A Bandeirantes é a única que se declarou publicamente interessada no capital estrangeiro. Seus planos são convencer os credores internacionais a trocar parte de uma dívida de US$ 100 milhões por participação acionária. O valor, segundo a Folha apurou, representaria cerca de 10% no controle das ações da rede, restando ainda 20% a negociar, já que a lei permite uma participação de 30% de capital estrangeiro.
O mercado avalia que é improvável que a negociação atraia o investimento externo, principalmente depois que a disputa por herança entre os irmãos Saad, donos da Bandeirantes, tornou-se pública. Há duas semanas, Marcia Saad publicou um anúncio em jornal afirmando que entrou com ação judicial para impedir qualquer acordo, que seria irregular já que as cotas da sociedade não podem ser negociadas sem consentimento de todos os herdeiros.
Por último, entre as principais emissoras de televisão, está a Rede TV!. Essa seria, na avaliação de parte do mercado, a rede com menos chances de atrair investimentos, pelo pequeno porte e pelas pendengas judiciais -principalmente trabalhistas- envolvendo a rede Manchete (comprada pelos donos da Rede TV!). Mas alguns analistas avaliam que a emissora seria a mais "vendável", já que valeria menos que as concorrentes.



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