São Paulo, sexta-feira, 21 de junho de 2002

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MÚSICA

Após três anos de tentativas, grupo lança disco que contou com produção de integrante do duo eletrônico Autoload

Z'África Brasil inova com hip hop atípico

JANAINA ROCHA
FREE LANCE PARA A FOLHA

Além de certas amarras estéticas, como discursos prontos e repetidos, que imperam no ritmo e poesia nacional, um lançamento deve movimentar a cena musical da cultura hip hop. O grupo de rap Z'África Brasil, formado na zona sul da cidade em 1992, chega ao mercado fonográfico após três anos de tentativas frustradas. O primeiro CD dos manos, "Antigamente Quilombos, Hoje Periferia", é produzido pelo novo selo Rapsoulfunkrecords, do produtor Primo Preto, e será distribuído pela Paradoxx Music.
Os três anos de atraso, como afirma o MC Gaspar à Folha, ao lado dos demais integrantes Funk Buia, Pitchô, Fernandinho Beatbox e DJ Meio Kilo, sedimentaram a musicalidade do grupo. "Um disco de rap que se propõe a resgatar a cultura brasileira, através da música e da história do rei Zumbi até chegar na periferia, o principal foco de resistência hoje, só podia acontecer tendo essa maturidade, sem o lance de só querer gravar disco. Tem ligação com a nossa busca de informação, de formação, de procurar as coisas que se perderam no passado", conta ele, autor de maior parte das letras. Nesse período, o álbum quase foi lançado pela Sony Music, que se aventurou em fiascos como Nocaute (lembra?).
A sonoridade atípica de "Antigamente Quilombos, Hoje Periferia", entretanto, não se deve apenas ao tempo. Das 15 músicas, ao menos cinco têm vocação para hit, com refrões marcantes, não exatamente contundentes. "Politizado não é apenas falar só do que falta na sua quebrada. A gente não gosta de ficar batendo na tecla da miséria. Falar só da droga, da arma é promover tudo o que nos destrói. A gente queria mudar essa concepção, porque temos muita riqueza, tradição cultural e o que dizer", afirma.
Toda a argumentação histórica dos novos quilombolas urbanos tem o alicerce de música construída em conjunto, não apenas colagens e scratches. Faz parte dessa concepção a inusitada presença de Fernandinho Beatbox, sujeito, além de talentoso, muito engraçado. Sua participação no grupo dá um outro tipo de ambiência sonora e até mesmo, em alguns momentos, uma certa leveza à rigidez da crítica. Ele tem a pouco conhecida habilidade de reproduzir com as cordas vocais batidas, scratches ou qualquer outro ruído presente nas bases instrumentais do gênero: faz música com a boca. O beatboxer, como admite, é um showman. "Comecei garoto, brincando de fazer beatbox voltando de baile, em ônibus. Ou nos bailes. Gaspar se escondia do palco, só mostrava o rosto de longe, e eu fazia o som. Eu sempre gostei muito de música norte-americana e me inspirava naqueles grandes cantores negros."
As influências musicais do grupo são diversas e se refletem em cada faixa. Gaspar, por exemplo, filho de pai nordestino, é tocador de acordeom. O MC Funk Buia, antes do rap, fazia samba. Para ele, a produção de Érico Theobaldo, da dupla de música eletrônica Autoload, foi determinante para a autenticidade desse disco: "O Érico nos ajudou a misturar a nossa visão limitada de fazer música com a coisa mais apurada, evoluída, além de ter despertado na gente o gosto pelo drum'n'bass".
Além da questão da evolução musical, que também aparece nas participações como a do grupo francês Assassin (veio ao Brasil em 2001) e da percussionista Simone Soul, há no grupo um papel de militância cultural. Antes do sonho de gravar disco, desenvolviam um trabalho politizado na Posse Conceitos de Rua, uma das auto-organizações de hip hoppers mais antigas. Embora isso contribua para uma possível sisudez ao estilo Racionais, esses quilombolas, também versando sobre a favela, são menos estreitos que seus ídolos. Por isso, enquanto o novo CD dos famosos manos não chega ao mercado, o Z'África agita a cena, com vocação, no Brasil, mais próxima dos Orishas de Havana do que dos Racionais, seus companheiros "da Sul".



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