|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Após três anos de tentativas, grupo lança disco que contou com produção de integrante do duo eletrônico Autoload
Z'África Brasil inova com hip hop atípico
JANAINA ROCHA
FREE LANCE PARA A FOLHA
Além de certas amarras estéticas, como discursos prontos e repetidos, que imperam no ritmo e
poesia nacional, um lançamento
deve movimentar a cena musical
da cultura hip hop. O grupo de
rap Z'África Brasil, formado na
zona sul da cidade em 1992, chega
ao mercado fonográfico após três
anos de tentativas frustradas. O
primeiro CD dos manos, "Antigamente Quilombos, Hoje Periferia", é produzido pelo novo selo
Rapsoulfunkrecords, do produtor Primo Preto, e será distribuído
pela Paradoxx Music.
Os três anos de atraso, como
afirma o MC Gaspar à Folha, ao
lado dos demais integrantes Funk
Buia, Pitchô, Fernandinho Beatbox e DJ Meio Kilo, sedimentaram a musicalidade do grupo.
"Um disco de rap que se propõe a
resgatar a cultura brasileira, através da música e da história do rei
Zumbi até chegar na periferia, o
principal foco de resistência hoje,
só podia acontecer tendo essa maturidade, sem o lance de só querer
gravar disco. Tem ligação com a
nossa busca de informação, de
formação, de procurar as coisas
que se perderam no passado",
conta ele, autor de maior parte
das letras. Nesse período, o álbum
quase foi lançado pela Sony Music, que se aventurou em fiascos
como Nocaute (lembra?).
A sonoridade atípica de "Antigamente Quilombos, Hoje Periferia", entretanto, não se deve apenas ao tempo. Das 15 músicas, ao
menos cinco têm vocação para
hit, com refrões marcantes, não
exatamente contundentes. "Politizado não é apenas falar só do
que falta na sua quebrada. A gente
não gosta de ficar batendo na tecla
da miséria. Falar só da droga, da
arma é promover tudo o que nos
destrói. A gente queria mudar essa concepção, porque temos muita riqueza, tradição cultural e o
que dizer", afirma.
Toda a argumentação histórica
dos novos quilombolas urbanos
tem o alicerce de música construída em conjunto, não apenas colagens e scratches. Faz parte dessa
concepção a inusitada presença
de Fernandinho Beatbox, sujeito,
além de talentoso, muito engraçado. Sua participação no grupo dá
um outro tipo de ambiência sonora e até mesmo, em alguns momentos, uma certa leveza à rigidez
da crítica. Ele tem a pouco conhecida habilidade de reproduzir
com as cordas vocais batidas,
scratches ou qualquer outro ruído
presente nas bases instrumentais
do gênero: faz música com a boca.
O beatboxer, como admite, é um
showman. "Comecei garoto,
brincando de fazer beatbox voltando de baile, em ônibus. Ou nos
bailes. Gaspar se escondia do palco, só mostrava o rosto de longe, e
eu fazia o som. Eu sempre gostei
muito de música norte-americana e me inspirava naqueles grandes cantores negros."
As influências musicais do grupo são diversas e se refletem em
cada faixa. Gaspar, por exemplo,
filho de pai nordestino, é tocador
de acordeom. O MC Funk Buia,
antes do rap, fazia samba. Para
ele, a produção de Érico Theobaldo, da dupla de música eletrônica
Autoload, foi determinante para a
autenticidade desse disco: "O Érico nos ajudou a misturar a nossa
visão limitada de fazer música
com a coisa mais apurada, evoluída, além de ter despertado na gente o gosto pelo drum'n'bass".
Além da questão da evolução
musical, que também aparece nas
participações como a do grupo
francês Assassin (veio ao Brasil
em 2001) e da percussionista Simone Soul, há no grupo um papel
de militância cultural. Antes do
sonho de gravar disco, desenvolviam um trabalho politizado na
Posse Conceitos de Rua, uma das
auto-organizações de hip hoppers
mais antigas. Embora isso contribua para uma possível sisudez ao
estilo Racionais, esses quilombolas, também versando sobre a favela, são menos estreitos que seus
ídolos. Por isso, enquanto o novo
CD dos famosos manos não chega ao mercado, o Z'África agita a
cena, com vocação, no Brasil,
mais próxima dos Orishas de Havana do que dos Racionais, seus
companheiros "da Sul".
Texto Anterior: Música: Pirataria explode em quatro continentes Próximo Texto: Frase Índice
|