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São Paulo, sábado, 21 de junho de 2003

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"TERRAS PROMETIDAS - DO BOM RETIRO A MANHATTAN"

Personalismo afeta análise de Blinder

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Caio Blinder é, sem dúvida, um dos principais jornalistas brasileiros de sua geração. Entre os analistas de política internacional, talvez o melhor de todos. Culto, bem informado, livre de amarras ideológicas, tem oferecido a seu público sofisticadas interpretações dos fenômenos mundiais contemporâneos.
Como diversos colegas, deve ter sentido a urgência de imprimir suas idéias num veículo de maior perenidade que jornais, revistas, rádio e TV em que atua. Ele tem todas as condições intelectuais para produzir um trabalho de fôlego, original. Talvez não tenha tido tempo para isso, e acabou por cair na tentação fácil de juntar entrevistas, artigos e reportagens antigas e colocá-las em forma de livro.
Não há nada de intrinsecamente errado nessa fórmula, mas é raro que ela resulte em obra de alta qualidade. Um dos problemas básicos é encontrar um critério interessante para tecer os textos que compõem a obra.
O que Blinder escolheu foi a sua condição de judeu. Recolheu trabalhos que de uma ou outra forma se relacionassem com o judaísmo: conversas com judeus brasileiros famosos, comentários sobre a permanente crise do Oriente Médio, impressões sobre o 11 de setembro de 2001 e suas consequências, críticas de filmes de cineastas judeus, entre outros.
Para escapar do perigo de compor apenas uma colcha de retalhos, o autor teve o cuidado de anteceder cada capítulo com alguma espécie de contextualização capaz de lhe conferir atualidade. Nesses prefácios, no entanto, Blinder se permite uma enorme quantidade de digressões personalistas que o afastam de um exame sério dos fatos que enfoca, reforçadas por fotos suas retiradas de álbuns de família para ilustrar o volume.
Essa intimidade pode ser ou decorrência do intencional desejo de maximizar a empatia com o leitor ou resultado involuntário do longo período passado por Blinder nos EUA, uma sociedade em que personalidades públicas acham que devem devassar sua vida particular para pessoas que só as conhecem via meios de comunicação. A relativa celebridade de que Blinder desfruta graças a suas aparições na TV pode o ter induzido a esse comportamento típico dos americanos famosos.
O traço americano do jornalista se sobressai em outras passagens de "Terras Prometidas - Do Bom Retiro a Manhattan", quase tanto quanto o seu judaísmo. Quando, por exemplo, classifica como "churchilliano" o discurso de George W. Bush aos bombeiros que trabalhavam na remoção do entulho das torres do World Trade Center e admite ter acatado a autoridade do presidente americano como "porta-voz da civilização" naquele mês fatídico.
É verdade que até jornalistas do porte de Dan Rather se deixaram contaminar pelas patriotadas bushistas pós-atentados. Mas Rather, pelo menos, é norte-americano. Registre-se, por dever de justiça, que Blinder, afinal, constata que Bush não é Churchill.
Fãs de Caio Blinder poderão ler "Terras Prometidas" de ponta a ponta e usufruir tudo. Mas pessoas interessadas em temas internacionais agradeceriam se da edição do livro constassem índices onomático e remissivo que as ajudassem a localizar itens específicos a respeito dos quais quisessem ler a opinião avalizada desse importante jornalista brasileiro.


Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"

Terras Prometidas - Do Bom Retiro a Manhattan
   
Autor: Caio Blinder
Editora: Garamond
Quanto: R$ 28,50 (204 págs.)



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