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"TERRAS PROMETIDAS - DO BOM RETIRO A MANHATTAN"
Personalismo afeta análise de Blinder
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Caio Blinder é, sem dúvida,
um dos principais jornalistas
brasileiros de sua geração. Entre
os analistas de política internacional, talvez o melhor de todos. Culto, bem informado, livre de amarras ideológicas, tem oferecido a
seu público sofisticadas interpretações dos fenômenos mundiais
contemporâneos.
Como diversos colegas, deve ter
sentido a urgência de imprimir
suas idéias num veículo de maior
perenidade que jornais, revistas,
rádio e TV em que atua. Ele tem
todas as condições intelectuais
para produzir um trabalho de fôlego, original. Talvez não tenha tido tempo para isso, e acabou por
cair na tentação fácil de juntar entrevistas, artigos e reportagens
antigas e colocá-las em forma de
livro.
Não há nada de intrinsecamente errado nessa fórmula, mas é raro que ela resulte em obra de alta
qualidade. Um dos problemas básicos é encontrar um critério interessante para tecer os textos que
compõem a obra.
O que Blinder escolheu foi a sua
condição de judeu. Recolheu trabalhos que de uma ou outra forma se relacionassem com o judaísmo: conversas com judeus
brasileiros famosos, comentários
sobre a permanente crise do
Oriente Médio, impressões sobre
o 11 de setembro de 2001 e suas
consequências, críticas de filmes
de cineastas judeus, entre outros.
Para escapar do perigo de compor apenas uma colcha de retalhos, o autor teve o cuidado de anteceder cada capítulo com alguma
espécie de contextualização capaz
de lhe conferir atualidade. Nesses
prefácios, no entanto, Blinder se
permite uma enorme quantidade
de digressões personalistas que o
afastam de um exame sério dos
fatos que enfoca, reforçadas por
fotos suas retiradas de álbuns de
família para ilustrar o volume.
Essa intimidade pode ser ou decorrência do intencional desejo
de maximizar a empatia com o
leitor ou resultado involuntário
do longo período passado por
Blinder nos EUA, uma sociedade
em que personalidades públicas
acham que devem devassar sua
vida particular para pessoas que
só as conhecem via meios de comunicação. A relativa celebridade
de que Blinder desfruta graças a
suas aparições na TV pode o ter
induzido a esse comportamento
típico dos americanos famosos.
O traço americano do jornalista
se sobressai em outras passagens
de "Terras Prometidas - Do Bom
Retiro a Manhattan", quase tanto
quanto o seu judaísmo. Quando,
por exemplo, classifica como
"churchilliano" o discurso de
George W. Bush aos bombeiros
que trabalhavam na remoção do
entulho das torres do World Trade Center e admite ter acatado a
autoridade do presidente americano como "porta-voz da civilização" naquele mês fatídico.
É verdade que até jornalistas do
porte de Dan Rather se deixaram
contaminar pelas patriotadas
bushistas pós-atentados. Mas Rather, pelo menos, é norte-americano. Registre-se, por dever de
justiça, que Blinder, afinal, constata que Bush não é Churchill.
Fãs de Caio Blinder poderão ler
"Terras Prometidas" de ponta a
ponta e usufruir tudo. Mas pessoas interessadas em temas internacionais agradeceriam se da edição do livro constassem índices
onomático e remissivo que as ajudassem a localizar itens específicos a respeito dos quais quisessem ler a opinião avalizada desse
importante jornalista brasileiro.
Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
Terras Prometidas - Do Bom Retiro a Manhattan
Autor: Caio Blinder
Editora: Garamond
Quanto: R$ 28,50 (204 págs.)
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