São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

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Gostaria de ser Deus, diz Iggy Pop

Em entrevista à Folha, cantor de 62 anos fala sobre morte, explica seu fascínio por cachorros e critica U2 e Coldplay

Artista que, ao lado do grupo Stooges nos anos 60, influenciou o punk diz que não se sente muito inspirado por bandas atuais


Bill Auth - 10.ago.08/Reuters
Iggy Pop em show do Stooges nos EUA; grupo acabou após morte de guitarrista, e banda-irmã Iggy and the Stooges deverá voltar

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quinze minutos é o tempo de duração da fama instantânea prevista pelo artista Andy Warhol ("No futuro, todos serão famosos por 15 minutos"). Quinze minutos também é o tempo de duração da entrevista do cantor norte-americano Iggy Pop, 62, à Folha, por telefone.
A importância de Iggy à história não apenas do rock, mas da cultura pop, não é possível de ser mensurada em minutos, mas em intensas décadas de loucuras, pioneirismo e entrega total à música.
Desde os anos 60, quando surgiu como vocalista do Stooges, Iggy ajudou a moldar o punk e o sombrio pós-punk, fez a cabeça dos grunges e até hoje é referência básica em bandas de garagem mundo afora.
Ele lança "Préliminaires" (EMI, R$ 30), disco com influências de jazz e bossa nova. E, em 15 minutos, bem-humorado e rindo do repórter, Iggy fala sobre a morte, seus cachorros e a vontade de ser Deus.

 

FOLHA - Algumas letras de "Préliminaires" abordam a morte. Você tem pensado nisso ultimamente?
IGGY POP
- Comecei a pensar sobre a morte quando eu tinha sete anos (risos)! Uma das coisas que me fizeram escolher a minha carreira foi que eu pensava: "Se eu ficar fazendo coisas que não acredito, um dia vou morrer e... merda!". Quando era mais jovem, não acreditava em Deus nem ia à igreja. Costumava deitar na cama abraçado com meu ursinho de pelúcia pensando: "Todas as crianças que vão à igreja vão pro céu, mas eu não vou pro céu! Então pra onde eu vou? Talvez leve meu ursinho comigo!" (risos).

FOLHA - E hoje, você acredita?
IGGY
- Não (enfático). Sinto que há vários deuses, mas o maior deles é como uma grande corporação, uma invenção dos líderes da sociedade para controlar as pessoas. É muito conveniente: só há um Deus, ele está no comando de tudo, é maior que você, e você não pode incomodá-lo. E eu não posso nem falar com ele! Eu gostaria de ter esse emprego! (risos). Iggy Pop: "representante de Deus na Terra", nada mal, hein?

FOLHA - Mas, aos 62 anos, você tem medo de morrer?
IGGY
- Todos têm um pouco. As duas coisas mais assustadoras são: 1, o desconhecido, e 2, a ideia de fim. Então, tenho um pouco. Mas não fico pensando nisso, a não ser que alguém como você venha e me pergunte (risos)! Quando vou me deitar, fico com tesão, penso sobre meus desejos, minhas contas a pagar, como todo mundo.

FOLHA - É bom ficar mais velho?
IGGY
- Tem sido para mim. Mas o próximo passo é tipo: "Opa!". Não sei nada sobre os 80 e poucos, mas enquanto estou nos 60, estou me saindo bem, melhor do que em qualquer outra idade. Estou muito mais confiante, objetivo, gosto de mim tanto quanto antes ou até mais, meus problemas são mais específicos, as coisas não estão uma confusão completa. Estou um pouco mais controlado. Após um tempo, você sabe do que pode se safar ou não.

FOLHA - Como você se sentiu com a morte [em janeiro] de Ron Asheton [guitarrista do Stooges e amigo de adolescência de Iggy]?
IGGY
- (longo suspiro) Vou ser bem honesto com você. Seja lá o que senti, se contasse por telefone para alguém com o seu emprego, que eu nunca encontrei antes na vida, em uma entrevista para o público, seria falso. Então, não sei o que senti, senti muitas coisas.

FOLHA - Mas podemos dizer que você começa nova fase na vida?
IGGY
- Estou abrindo novas portas no meu castelo que eu nunca tinha entrado. Mas isto não significa que vou evitar o banheiro (risos), que é o lugar onde vivi toda a minha vida e fiz as minhas melhores músicas.

FOLHA - E como você se imagina no futuro, daqui a uns dez anos?
IGGY
- Nunca fiz isso. O que faço é estabelecer situações para que eu possa viver de uma certa maneira e deixar as coisas acontecerem. É o que faço desde meus 16, 17 anos. Eu apenas arrumo as coisas para que eu possa tocar um pouco de guitarra, cantar, escrever uma letra ali, dar uma volta, arranjar um emprego temporário -já fui garçom e hoje em dia sou ator também; este é o único emprego legalizado que tive. Se ouço uma voz interior de um garotinho [faz voz de garotinho] dizendo: "Tô cansado dessa merda, não quero fazer isso hoje", então eu simplesmente paro de fazer.

FOLHA - Você se cansou do rock?
IGGY
- Quando comecei, nos anos 60, eu tocava [bateria] em bandas pequenas e via ao meu redor uma gloriosa paisagem. Você olhava para a esquerda e lá estava Syd Barret, e você olhava pra frente e via o Kinks, e atrás, Chuck Berry e Bo Diddley, e no outro lado, Bob Dylan, e atrás dele, escritores como Ginsberg e Burroughs... Hoje você tem livros de auto-ajuda do Deepak Chopra (risos)! Você tem U2, Coldplay e novas bandas de neopunk que eu ouço e depois nem lembro os nomes. Sabe, eu não fico muito inspirado por isso.

FOLHA - Por que o tema recorrente de cachorro ["dog"] nas suas letras?
IGGY
- Peguei isso do blues americano, é um arquétipo. "Dog" era até um verbo, o conceito de "a woman dogs a man", ou seja, uma mulher que faz um homem segui-la e implorar. Quando as crianças têm 3 ou 4 anos, "doooog" [fazendo voz de bebê] é uma das primeiras coisas que elas falam depois de "mamãe" e "papai".


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