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Crítica/DVD/"Vergonha"
Ingmar Bergman se arrisca em drama de tom político
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
A fama justa de cineasta
da alma que acompanha a obra de Ingmar
Bergman por vezes impede a
compreensão de outras facetas
não menos impressionantes de
seus filmes. A política, por
exemplo, parece estranha ao
universo entre quatro paredes
em que se desenrolam os dramas bergmanianos.
Quando ela entra em cena,
no entanto, como em "Vergonha", o grande diretor sueco a
transforma num motor incontrolável da tragédia humana.
Realizado em 1968, em plena
Guerra do Vietnã, "Vergonha"
adota um tom parabólico, na
medida em que o conflito que
põe em cena não se refere a um
fato histórico determinado.
Em vez de buscar as raízes de
uma barbárie (como fará depois em "O Ovo da Serpente"),
Bergman mostra a destruição
como forma pura, sem demandar nossa adesão emocional a
um partido ou outro.
Um casal de músicos, Jan
(Max von Sydow) e Eva (Liv
Ullmann), vive sob um conflito
do qual o filme não nos oferece
as "razões", retirado numa ilha.
Na primeira parte, o filme
acompanha a progressão de
uma experiência idílica (a vida
pacífica em meio à natureza)
até passar, de modo abrupto,
para a ruptura dessa ordem.
Numa segunda parte, Eva e
Jan serão lançados numa sucessão de agressões, que envolvem fugas, medos, suspeitas e
acusações. Bergman não se interessa em denunciar culpas ou
vilanizar agressores. Ele prefere descrever o estado de guerra
como aquele em que a primeira
coisa que os indivíduos perdem
é o direito de escolha.
Tanto que na terceira parte,
quando a guerra parece ter se
concluído, reencontramos Eva
e Jan sobrevivendo como autômatos, vivendo sob o domínio
do medo, sem mais nem a barreira da própria casa como proteção contra quem vem de fora.
Numa tentativa final de fuga,
terminam por ficar presos numa rede intransponível de
morte, uma das imagens de pesadelo mais impactantes da
obra de Bergman.
Diante dela, resta aos personagens cobrir seus rostos, um
gesto involuntário que expressa não apenas vergonha, mas,
sobretudo, horror.
VERGONHA
Direção: Ingmar Bergman
Lançamento: Versátil (R$ 44,90;
classificação: 16 anos)
Avaliação: ótimo
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