São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

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Crítica/DVD/"Vergonha"

Ingmar Bergman se arrisca em drama de tom político

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

A fama justa de cineasta da alma que acompanha a obra de Ingmar Bergman por vezes impede a compreensão de outras facetas não menos impressionantes de seus filmes. A política, por exemplo, parece estranha ao universo entre quatro paredes em que se desenrolam os dramas bergmanianos. Quando ela entra em cena, no entanto, como em "Vergonha", o grande diretor sueco a transforma num motor incontrolável da tragédia humana.
Realizado em 1968, em plena Guerra do Vietnã, "Vergonha" adota um tom parabólico, na medida em que o conflito que põe em cena não se refere a um fato histórico determinado. Em vez de buscar as raízes de uma barbárie (como fará depois em "O Ovo da Serpente"), Bergman mostra a destruição como forma pura, sem demandar nossa adesão emocional a um partido ou outro.
Um casal de músicos, Jan (Max von Sydow) e Eva (Liv Ullmann), vive sob um conflito do qual o filme não nos oferece as "razões", retirado numa ilha. Na primeira parte, o filme acompanha a progressão de uma experiência idílica (a vida pacífica em meio à natureza) até passar, de modo abrupto, para a ruptura dessa ordem.
Numa segunda parte, Eva e Jan serão lançados numa sucessão de agressões, que envolvem fugas, medos, suspeitas e acusações. Bergman não se interessa em denunciar culpas ou vilanizar agressores. Ele prefere descrever o estado de guerra como aquele em que a primeira coisa que os indivíduos perdem é o direito de escolha. Tanto que na terceira parte, quando a guerra parece ter se concluído, reencontramos Eva e Jan sobrevivendo como autômatos, vivendo sob o domínio do medo, sem mais nem a barreira da própria casa como proteção contra quem vem de fora.
Numa tentativa final de fuga, terminam por ficar presos numa rede intransponível de morte, uma das imagens de pesadelo mais impactantes da obra de Bergman. Diante dela, resta aos personagens cobrir seus rostos, um gesto involuntário que expressa não apenas vergonha, mas, sobretudo, horror.


VERGONHA

Direção: Ingmar Bergman
Lançamento: Versátil (R$ 44,90; classificação: 16 anos)
Avaliação: ótimo




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