São Paulo, segunda, 21 de julho de 1997.



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Os rebeldes: Hyldon e Itamar Assumpção

Com décadas de experiência e novos trabalhos à espera de lançamento, Hyldon e Itamar Assumpção lutam contra o desinteresse das gravadoras por seus trabalhos; "Vou embora para a Europa", decreta Itamar

PEDRO ALEXANDRE SANCHES

da Reportagem Local

Representantes de gerações distintas da MPB e mais diferentes entre si que semelhantes, Hyldon, 46, e Itamar Assumpção, 47, encontram-se numa coincidência em 1997: ambos têm trabalhos quase prontos em mãos e travam duelo silencioso com as grandes gravadoras, desatentas a suas obras.
Rebeldes, evidenciam o momento de industrialização que vive a música nacional. O que outrora era característica artística flagrante -a imprevisibilidade- é transformada em defeito capital.
Vem daí novo ponto em comum: Hyldon -expoente da soul music brasileira, que explodiu no final dos 60 com Tim Maia e Cassiano- e Itamar -co-fundador, com Arrigo Barnabé, da "vanguarda paulistana", em 1980- nunca se submeteram aos caprichos e exigências das gravadoras.
"Sempre tive problema com gravadora, foi ruim para a minha cabeça. Nos anos 80, veio meu inferno astral fonográfico, só consegui gravar em selos pequenos", afirma Hyldon.
Reabilitado por regravações recentes de seus dois maiores sucessos, "Na Rua, na Chuva, na Fazenda (Casinha de Sapê)" (pelo Kid Abelha) e "As Dores do Mundo" (pelo J. Quest), hoje ele relativiza a rebeldia.
"Naquela época, eu brigava nas gravadoras e ia embora batendo porta. Hoje sei que é preciso ser mais político. Acho que houve falta de maturidade, revolta", diz.
Paciência esgotada
Itamar, por seu turno, mantém-se radical. Com material gravado suficiente para preencher dois CDs -que ele pretende transformar em "Pretobrás - Por Que Que Eu Não Pensei Nisso Antes", volumes 1 e 2-, afirma que, após 17 anos no mercado alternativo, sua paciência vai se esgotando.
"Não sou obrigado a aguentar isso. Espero até o fim do ano, se ninguém se tocar eu pego minha malinha, meu passaporte e vou embora para a Europa", desabafa.
Ele continua: "Não consigo mais trabalhar aqui. Não quero mais tocar em bar, Sesc, Centro Cultural. Não dá mais para nós que não temos mídia. É mais simples investir US$ 1 milhão no Roberto Carlos que R$ 200 mil no Itamar. Vou pegar meu passaporte".
Em 95, após o mergulho rumo ao pop que operou na trilogia "Bicho de 7 Cabeças", Itamar fechou contrato de três CDs com a Paradoxx. Lançado "Ataulfo Alves por Itamar Assumpção pra Sempre Agora", o contrato foi rescindido.
"Fui para Minas Gerais, onde Ataulfo nasceu, e não vi nenhum Ataulfo em loja nenhuma. Quando mostrei 'Pretobrás', disseram que a filosofia deles é outra, que eu não vendo disco. Como vou vender, se não distribuem?", protesta.
Diz que, sem apoio na Paradoxx, não teria por que manter o vínculo: "Não tenho por que estar numa gravadora se não me levarem ao 'Faustão', se não me jogarem na roda. Sou um músico popular. Nenhum Chico César ia me botar defeito se eu estivesse na roda."
Procurada pela Folha, a Paradoxx afirmou que não vai se pronunciar sobre o assunto.
Revalorização
Ainda que de forma indireta, Hyldon vive momento de redescoberta ainda não experimentado por Itamar.
Após as regravações de Kid Abelha e J. Quest, a PolyGram, sua primeira gravadora, prepara-se para relançar em CD seu disco de estréia, "Na Rua, na Chuva, na Fazenda...", de 75.
"Isso não está acontecendo só comigo, é com toda a geração 70, Zé Ramalho, Cassiano. Há uma valorização da época, de coisas que naquele tempo eram consideradas só comerciais."
Tenta explicar o preconceito: "Nós, do soul, éramos meio alienados, fazíamos músicas românticas. A inteligência patrulhava, éramos discriminados. Diziam: 'Como pode falar de casinha de sapê com guerrilheiros morrendo?' "
Alienado ou não, diz que seu sucesso revolucionou o cenário da época. "Ninguém fala isso, mas só havia música internacional na parada, e 'Na Rua, na Chuva, na Fazenda' entrou direto em primeiro lugar, quebrou o monopólio."
Ainda assim, a fase de ostracismo veio depressa, movida a discórdias com gravadoras. Hyldon sobreviveu pelas tabelas dos anos 80 em diante.
"Vivi do dinheirinho de direitos autorais, até abrir uma produtora de shows e eventos. Achei que a saída era trabalhar com criança, escrevi peças. Aquela música do 'seu Boneco é um terror' é minha. Todo mundo despreza, mas tenho orgulho de ter feito", conta.
Quanto à volta indireta, diz: "O resgate é legal, para nego ver que a gente dá a vida pela música, que a gente não é obrigado a fazer política para ser reconhecido", conclui.
Sem concessão
O mesmo não acontece com a geração de Itamar, tão fechada às concessões quanto sempre.
"Rumo, Arrigo, Premê tiveram que parar, não tinha mais jeito. Eu continuei porque resolvi sobreviver do mínimo. Quero trabalhar, mas aqui faço um show a cada quatro meses. Estou em cartaz na Funarte, nem deram notícia."
"Estou falando em nome da minha geração, não é o Itamar reclamando. Para eu ficar no Brasil é uma coisa mínima, mas não vou continuar aqui trabalhando pela cultura se ninguém apóia."
E determina: "Querem dar cultura ao povo ou não? Se querem, eis-me aqui. Se não, tchau."



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