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Os rebeldes: Hyldon e Itamar Assumpção
Com décadas de experiência e
novos trabalhos à espera de
lançamento, Hyldon e Itamar
Assumpção lutam contra o
desinteresse das gravadoras por
seus trabalhos; "Vou embora
para a Europa", decreta Itamar
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Representantes de gerações distintas da MPB e mais diferentes entre si que semelhantes, Hyldon, 46,
e Itamar Assumpção, 47, encontram-se numa coincidência em
1997: ambos têm trabalhos quase
prontos em mãos e travam duelo
silencioso com as grandes gravadoras, desatentas a suas obras.
Rebeldes, evidenciam o momento de industrialização que vive a
música nacional. O que outrora
era característica artística flagrante -a imprevisibilidade- é transformada em defeito capital.
Vem daí novo ponto em comum:
Hyldon -expoente da soul music
brasileira, que explodiu no final
dos 60 com Tim Maia e Cassiano- e Itamar -co-fundador,
com Arrigo Barnabé, da "vanguarda paulistana", em 1980-
nunca se submeteram aos caprichos e exigências das gravadoras.
"Sempre tive problema com
gravadora, foi ruim para a minha
cabeça. Nos anos 80, veio meu inferno astral fonográfico, só consegui gravar em selos pequenos",
afirma Hyldon.
Reabilitado por regravações recentes de seus dois maiores sucessos, "Na Rua, na Chuva, na Fazenda (Casinha de Sapê)" (pelo
Kid Abelha) e "As Dores do Mundo" (pelo J. Quest), hoje ele relativiza a rebeldia.
"Naquela época, eu brigava nas
gravadoras e ia embora batendo
porta. Hoje sei que é preciso ser
mais político. Acho que houve falta de maturidade, revolta", diz.
Paciência esgotada
Itamar, por seu turno, mantém-se radical. Com material gravado suficiente para preencher
dois CDs -que ele pretende transformar em "Pretobrás - Por Que
Que Eu Não Pensei Nisso Antes",
volumes 1 e 2-, afirma que, após
17 anos no mercado alternativo,
sua paciência vai se esgotando.
"Não sou obrigado a aguentar
isso. Espero até o fim do ano, se
ninguém se tocar eu pego minha
malinha, meu passaporte e vou
embora para a Europa", desabafa.
Ele continua: "Não consigo
mais trabalhar aqui. Não quero
mais tocar em bar, Sesc, Centro
Cultural. Não dá mais para nós que
não temos mídia. É mais simples
investir US$ 1 milhão no Roberto
Carlos que R$ 200 mil no Itamar.
Vou pegar meu passaporte".
Em 95, após o mergulho rumo ao
pop que operou na trilogia "Bicho
de 7 Cabeças", Itamar fechou
contrato de três CDs com a Paradoxx. Lançado "Ataulfo Alves por
Itamar Assumpção pra Sempre
Agora", o contrato foi rescindido.
"Fui para Minas Gerais, onde
Ataulfo nasceu, e não vi nenhum
Ataulfo em loja nenhuma. Quando
mostrei 'Pretobrás', disseram que
a filosofia deles é outra, que eu não
vendo disco. Como vou vender, se
não distribuem?", protesta.
Diz que, sem apoio na Paradoxx,
não teria por que manter o vínculo: "Não tenho por que estar numa gravadora se não me levarem
ao 'Faustão', se não me jogarem
na roda. Sou um músico popular.
Nenhum Chico César ia me botar
defeito se eu estivesse na roda."
Procurada pela Folha, a Paradoxx afirmou que não vai se pronunciar sobre o assunto.
Revalorização
Ainda que de forma indireta,
Hyldon vive momento de redescoberta ainda não experimentado
por Itamar.
Após as regravações de Kid Abelha e J. Quest, a PolyGram, sua primeira gravadora, prepara-se para
relançar em CD seu disco de estréia, "Na Rua, na Chuva, na Fazenda...", de 75.
"Isso não está acontecendo só
comigo, é com toda a geração 70,
Zé Ramalho, Cassiano. Há uma
valorização da época, de coisas
que naquele tempo eram consideradas só comerciais."
Tenta explicar o preconceito:
"Nós, do soul, éramos meio alienados, fazíamos músicas românticas. A inteligência patrulhava, éramos discriminados. Diziam: 'Como pode falar de casinha de sapê
com guerrilheiros morrendo?' "
Alienado ou não, diz que seu sucesso revolucionou o cenário da
época. "Ninguém fala isso, mas só
havia música internacional na parada, e 'Na Rua, na Chuva, na Fazenda' entrou direto em primeiro
lugar, quebrou o monopólio."
Ainda assim, a fase de ostracismo veio depressa, movida a discórdias com gravadoras. Hyldon
sobreviveu pelas tabelas dos anos
80 em diante.
"Vivi do dinheirinho de direitos
autorais, até abrir uma produtora
de shows e eventos. Achei que a
saída era trabalhar com criança,
escrevi peças. Aquela música do
'seu Boneco é um terror' é minha.
Todo mundo despreza, mas tenho
orgulho de ter feito", conta.
Quanto à volta indireta, diz: "O
resgate é legal, para nego ver que a
gente dá a vida pela música, que a
gente não é obrigado a fazer política para ser reconhecido", conclui.
Sem concessão
O mesmo não acontece com a
geração de Itamar, tão fechada às
concessões quanto sempre.
"Rumo, Arrigo, Premê tiveram
que parar, não tinha mais jeito. Eu
continuei porque resolvi sobreviver do mínimo. Quero trabalhar,
mas aqui faço um show a cada
quatro meses. Estou em cartaz na
Funarte, nem deram notícia."
"Estou falando em nome da minha geração, não é o Itamar reclamando. Para eu ficar no Brasil é
uma coisa mínima, mas não vou
continuar aqui trabalhando pela
cultura se ninguém apóia."
E determina: "Querem dar cultura ao povo ou não? Se querem,
eis-me aqui. Se não, tchau."
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