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ETIÓPIA
Em livro, filme e mostra em Portugal, Manuel Ramos discute legado cultural e religioso do país
Antropólogo revê mitos e história etíopes
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Dois motivos levam a Etiópia a
frequentar com assiduidade o noticiário dos dias de hoje: quando
surgem novos números sobre a
fome no mundo ou quando um
fóssil muito antigo aparece e desafia teorias sobre onde surgiu o
primeiro ancestral do homem.
Nenhum dos dois foi o que levou o antropólogo português Manuel João Ramos, 41, autor de
"Histórias Etíopes" a se interessar
pela Etiópia. O que o impulsionou
foi a vontade de lançar uma discussão sobre os numerosos clichês que cercam a história desse
país africano e investigar o que os
mitos etíopes legaram à religião e
à cultura ocidentais.
Ramos trata da construção histórica de lendas como a da rainha
de Sabá e a do suposto destino da
Arca da Aliança, onde Moisés teria guardado as Tábuas da Lei.
Revê ainda o significado da imagem de Haile Selassie (que governou entre 1930-74) para o rastafarianismo e o mito de Preste João.
A viagem do antropólogo, realizada entre março e junho de 1999,
inspirou, além do livro, lançado
em Portugal no início do ano, a
exposição "Arte Narrativa Etíope", que atualmente roda o país, e
um filme, que o antropólogo finaliza com o diretor Pedro Caldas.
"Quis aproveitar o contexto
sensível das comemorações dos
Descobrimentos para fazer uma
crítica da história da presença
portuguesa na África", disse o autor em entrevista à Folha.
A primeira documentação usada por Ramos foi, justamente,
aquela deixada pelos jesuítas portugueses nos séculos 16 e 17.
Ramos fala da relação entre o
mito do Preste João e a expansão
marítima. Segundo a lenda, que
circulou intensamente na Idade
Média, Preste João teria sido um
imperador cristão negro de um
poderoso país africano. Os reis
portugueses sonhavam em travar
contato com Preste João e tê-lo
como aliado contra os mouros.
"A idéia dessa aliança foi retomada nos Descobrimentos e justificou as ambições ibéricas de
constituição de um império mundial por meio da evangelização
das populações submetidas."
Os símbolos religiosos merecem especial atenção do autor. O
cristianismo se estabeleceu na
Etiópia no século 4 e permaneceu
muito forte, mesmo depois da expansão do islamismo na região,
no século 7. "A iconografia ortodoxa etíope tem muito a explicar
à nossa concepção ocidental da
religião, pois revela uma relação
diferente entre sociedade e fé."
Além do relato em forma de
diário e das análises de textos e
lendas, "Histórias Etíopes" contém uma série de desenhos feitos
pelo autor durante a viagem.
O filme, também baseado na
mesma viagem, está em fase final
de produção, e parte da história
verídica de um quadro oferecido
por um rei português ao imperador etíope, no século 16, e que, por
conta de guerras e invasões européias, acaba retornando a Lisboa
quatro séculos depois. "Além do
inusitado da história, a trajetória
do quadro permite comparar a
relação que as duas sociedades, a
portuguesa católica e a etíope ortodoxa, têm com a arte."
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