São Paulo, sábado, 21 de julho de 2001

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ETIÓPIA

Em livro, filme e mostra em Portugal, Manuel Ramos discute legado cultural e religioso do país

Antropólogo revê mitos e história etíopes

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Dois motivos levam a Etiópia a frequentar com assiduidade o noticiário dos dias de hoje: quando surgem novos números sobre a fome no mundo ou quando um fóssil muito antigo aparece e desafia teorias sobre onde surgiu o primeiro ancestral do homem.
Nenhum dos dois foi o que levou o antropólogo português Manuel João Ramos, 41, autor de "Histórias Etíopes" a se interessar pela Etiópia. O que o impulsionou foi a vontade de lançar uma discussão sobre os numerosos clichês que cercam a história desse país africano e investigar o que os mitos etíopes legaram à religião e à cultura ocidentais.
Ramos trata da construção histórica de lendas como a da rainha de Sabá e a do suposto destino da Arca da Aliança, onde Moisés teria guardado as Tábuas da Lei. Revê ainda o significado da imagem de Haile Selassie (que governou entre 1930-74) para o rastafarianismo e o mito de Preste João.
A viagem do antropólogo, realizada entre março e junho de 1999, inspirou, além do livro, lançado em Portugal no início do ano, a exposição "Arte Narrativa Etíope", que atualmente roda o país, e um filme, que o antropólogo finaliza com o diretor Pedro Caldas.
"Quis aproveitar o contexto sensível das comemorações dos Descobrimentos para fazer uma crítica da história da presença portuguesa na África", disse o autor em entrevista à Folha.
A primeira documentação usada por Ramos foi, justamente, aquela deixada pelos jesuítas portugueses nos séculos 16 e 17.
Ramos fala da relação entre o mito do Preste João e a expansão marítima. Segundo a lenda, que circulou intensamente na Idade Média, Preste João teria sido um imperador cristão negro de um poderoso país africano. Os reis portugueses sonhavam em travar contato com Preste João e tê-lo como aliado contra os mouros.
"A idéia dessa aliança foi retomada nos Descobrimentos e justificou as ambições ibéricas de constituição de um império mundial por meio da evangelização das populações submetidas."
Os símbolos religiosos merecem especial atenção do autor. O cristianismo se estabeleceu na Etiópia no século 4 e permaneceu muito forte, mesmo depois da expansão do islamismo na região, no século 7. "A iconografia ortodoxa etíope tem muito a explicar à nossa concepção ocidental da religião, pois revela uma relação diferente entre sociedade e fé."
Além do relato em forma de diário e das análises de textos e lendas, "Histórias Etíopes" contém uma série de desenhos feitos pelo autor durante a viagem.
O filme, também baseado na mesma viagem, está em fase final de produção, e parte da história verídica de um quadro oferecido por um rei português ao imperador etíope, no século 16, e que, por conta de guerras e invasões européias, acaba retornando a Lisboa quatro séculos depois. "Além do inusitado da história, a trajetória do quadro permite comparar a relação que as duas sociedades, a portuguesa católica e a etíope ortodoxa, têm com a arte."



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