|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Carta cedida à Folha pela família do compositor de "Aquarela do Brasil" revela seu encantamento por Hollywood
Ary no país das maravilhas
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Se vivo, Ary Barroso (1903-64)
estaria completando em novembro cem anos. Compositor, músico, jornalista, apresentador de rádio e sobretudo flamenguista, as
tantas histórias desse mineiro de
Ubá, autor de "Aquarela do Brasil", vão aos bocadinhos sendo
apagadas da memória nacional.
Não se Mariúza Barroso puder
impedir: "Quando o meu pai
morreu, guardei com carinho um
acervo maravilhoso com os sapatos, os cintos e as roupas esportivas de que ele mais gostava. Mas
fui ficando com tanta raiva diante
da ignorância que há neste país
que resolvi dar para quem precisava", contou à Folha a filha do
compositor, que desde então procura uma instituição para abrigar
uma inestimável coleção de objetos pessoais, partituras, cartas e
fotografias, que não só pertencem
à sua história familiar, mas à história da cultura brasileira.
Parte da poeira volta a ser levantada com as comemorações do
centenário de Barroso, que incluem homenagem no Prêmio
TIM de Música, espetáculo com
Marília Pêra, documentários e algumas cerimônias oficiais.
"Já estive nos estúdios do Walt
Disney. Colosso! Fui recebido
com todas as honras. Ele me ofereceu um drinque e me exibiu a
nova fita sobre assuntos brasileiros com o pato e o papagaio."
Data desta carta: 1942. Remetente: Ary Barroso, Los Angeles.
"Assuntos brasileiros": os filmes
de animação "Alô, Amigos" (43) e
"Você Já Foi à Bahia?" (45), que
introduziram ao mundo o papagaio Zé Carioca e as músicas
"Aquarela do Brasil" e "Na Baixa
do Sapateiro".
Ao lado de outras "quatro ou
cinco" correspondências do pai
guardadas no baú de Mariúza, esta, cedida com exclusividade à Folha, fala do
encantamento de Barroso em sua
primeira viagem à Hollywood e
de um momento-chave em sua
trajetória: o convite para trabalhar no cinema como diretor artístico e compositor de trilhas.
Estava tendo a visibilidade que
merecia. Escoltado ora por diretores do "pequeno estúdio" Republic Pictures, ora pelo próprio
cônsul brasileiro de então, Barroso passou a circular entre estrelas
de Hollywood e não se cansava de
ser chamado de "big composer"
(grande compositor), "wonderful
artist" (artista maravilhoso) ou de
"abafar a banca", nas palavras da
sensação da época Carmen Miranda -com quem, corriam boatos, estaria para casar.
"Minha querida, parece que a
coisa começou melhor do que eu
esperava. Deixa o pessoal daí falar
e os jornais publicarem coisas que
eu não disse e não diria. Não faz
mal: responderei a todos quando
voltar aí e quando eles souberem
que terei de regressar para ficar
pelo menos dois anos com um
bruto contrato", cravava na mesma correspondência endereçada
a Yvone, sua mulher, mãe de Mariúza e Flávio Rubens.
Os filmes com Walt Disney e o
Republic Pictures foram feitos,
mas o compositor, ufanista por
definição, preferiu o Brasil a se
mudar de vez para os EUA. "A
gente já estava se arrumando para
ir para lá, mas era a época da Segunda Guerra e, quando papai viu
que era sério e o último avião para
a América do Sul estava partindo
dos EUA, veio embora. Ele gostava do jeito do brasileiro. Somos o
único povo que sorri", milita a filha, que, com o nacionalismo do
pai, herdou a paixão pelo futebol.
E um arquivo pessoal de dar
água na boca de muito gringo por
aí: "O que a gente vê como despesa, em outros países, é visto como
investimento turístico".
"Antes eu era mais crente, abria
o acervo de papai para quem quisesse fazer reportagens. Mas,
sempre que alguém mexia, arrancava um pedaço. Numa exposição, até o banco do piano sumiu.
Ainda bem que abriu uma loja de
xerox na frente de casa. Para sair
daqui agora, só tirando cópia."
Texto Anterior: Nelson Ascher: Nada de novo sob o sol Próximo Texto: De Ary Barroso, para Yvone Barroso.... Índice
|