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NELSON ASCHER
Nada de novo sob o sol
O progresso é produto do
progresso. A idéia de que as
coisas se alteram decorre de alterações que muitos sentiram na
carne antes de reconhecê-las
conscientemente. A regra que prevaleceu durante quase toda a história e cuja formulação lapidar
-"Não há nada de novo sob o
sol"- está no livro bíblico chamado "Eclesiastes" admitia somente uma exceção: se algo mudar, será para pior. Conceber o futuro não sob a forma do inevitável declive civilizacional postulado por Oswald Spengler ou Arnold Toynbee, mas sim como o
arco-íris em cujo fim se esconde o
pote utópico de ouro, é um costume recente.
O que mais seria capaz de explicar que, no debate entre as características herdadas e as adquiridas, o pêndulo tenha se paralisado por meio século na certeza de
que cada indivíduo ao nascer não
passa de uma folha em branco a
ser preenchida pela sociedade? Se
bem que o neurocientista americano Steven Pinker acabe (em seu
"A Lousa em Branco: A Moderna
Negação da Natureza Humana")
de recolocar o pêndulo em movimento, ainda vai demorar para
que os mestres-pensadores aceitem as provas de uma complexa
pré-programação. A "folha em
branco", outrora uma hipótese
revolucionária, virou, nas mãos
dos revolucionários (que nunca
mudam), um dogma que impede
o reconhecimento das constantes
da natureza humana, a mais relevante das quais, no presente, é a
de que os ódios entre indivíduos
ou grupos são tanto maiores
quanto menores forem as distâncias e diferenças que os separam.
Ninguém causa raiva como um
amigo, exceto um parente ou,
pior, o/a cônjuge, e o que faz da
extinção de nossa espécie uma
aposta segura é a irrefreável propensão a pôr fogo no apartamento do vizinho do andar de baixo.
Talvez seja por isso que a esquerda britânica, atirando nos
seus quatro próprios pés (seis no
caso da extrema esquerda), entrou em conflito aberto com o
único líder capaz de mantê-la no
governo. Caso Tony Blair caia, os
trabalhistas podem dizer adeus à
União Européia, ao euro e ao poder. O antiblairismo esquerdista
nasceu dos rancores de uma minoria influente que esperava do
criador do New Labour reações
semelhantes às de países como
França e Alemanha que, com a
desculpa de preservar as singularidades de um continente ameaçado de americanização, resolveram hostilizar, além dos europeus
que vivem do lado oposto do Canal da Mancha e seus descendentes transatlânticos, os espanhóis,
italianos, tchecos, húngaros e poloneses, aliando-se, para tanto,
aos seguintes defensores dos direitos humanos : Vladimir Putin, o
carrasco de Grozny (capital da
Tchetchênia) ; "Baby Doc" Assad,
ditador hereditário da Síria ; Robert Mugabe, instaurador, no
Zimbábue, de um novo apartheid
(desta vez, contra os brancos).
Não há, porém, nada de novo
sob o sol. Quando, no começo dos
anos 20, o partido trabalhista se
preparava para assumir pela primeira vez o poder na Inglaterra
(1924), alguém disse que daria ao
arquiteto de sua vitória, Ramsay
MacDonald, o mesmo apoio que
a corda dava ao enforcado. Quem
ache que essa frase espirituosa
aparecia num discurso de Mussolini ou do jovem Hitler se engana:
seu autor foi Lênin. Dez anos depois, o sucessor deste, combatendo os social-democratas, isto é, os
"social-fascistas" alemães não estendeu gentilezas similares aos
nazistas e aproveitou a Guerra
Civil Espanhola para, dizimando
seus rivais antifranquistas,
adiantar o trabalho sujo do futuro "Caudillo de España por la
Gracia de Dios".
Se a Broadway mantém seus
"Cats" e "Les Misérables" em cartaz anos a fio, o Velho Mundo dispõe, em contrapartida, de um espetáculo folclórico que se repete
sem parar: o da intelectualidade
ocidental que, embora jamais
houvesse protestado contra meio
século de despotismo soviético nos
países do leste, acusa agora gente
honrada e corajosa como o polonês Adam Michnik, o húngaro
György Konrád e o tcheco Vaclav
Havel de traidores da "causa européia" (seja lá o que isso for),
pois estes escritores simplesmente
não aceitam que a maneira mais
eficaz de lutar pelo ideário iluminista consista em simpatizar com
o islamismo militante ou tomar,
contra os anglo-americanos, o
partido dos teocratas iranianos,
dos burocratas chineses que se valem da aplicação em escala industrial da pena de morte para
comercializar os órgãos dos condenados ou de ditaduras de opereta (trágicas para seus súditos)
como a de Havana, onde jornalistas são presos e dissidentes, executados.
Sucede que mesmo paranóicos
têm inimigos de verdade. A Europa, de fato ameaçada de americanização, ou seja, de modernização, está diante de uma encruzilhada. Embora tanto os EUA
quanto a União Européia sejam
importadores de gente, enquanto
esta, com sua população minguante e laborófoba, precisa de
garis e atrai uma mão-de-obra
desqualificada que, cedo ou tarde, reduzida a uma casta de párias, investe seu auxílio-desemprego em mesquitas e explosivos,
aqueles absorvem, entre outros,
peritos em software vindos da Índia, asiáticos que trabalham 25
horas por dia e cientistas europeus. Trocando em miúdos, a exceção européia, entendida como
alternativa ao capitalismo "selvagem" e aos excessos populistas da
democracia, só sobrevive hoje em
dia graças a um respirador artificial enferrujado cujas últimas
prestações não foram pagas. Aos
europeus, ou melhor, às sua elites,
resta decidir se seu continente se
tornará em breve (e com sorte)
uma sub-América ou uma mega-Argélia. Não há mais nenhuma
"terceira via".
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