São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2008

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no cinema

Atriz brilhou em filmes sob medida para ela

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Dercy Gonçalves disse várias vezes que não gostava de fazer cinema, talvez porque se sentisse tolhida em sua espontaneidade pela câmera e pelo tempo preciso das tomadas. Era no palco de um teatro que, livre para improvisar, ela deitava e rolava.
Mesmo assim, sua presença no cinema brasileiro, sobretudo nas comédias dos anos 40 e 50, foi marcante e decisiva. Brilhou praticamente sozinha como atriz cômica num universo, o da chanchada, dominado pelos homens: Grande Otelo, Oscarito, Ankito, Walter D'Ávila, Zé Trindade.
Dizia-se influenciada pelo ator luso-brasileiro Mesquitinha, com quem contracenou em "Samba em Berlim" (1943), de Luiz de Barros. Mas Mesquitinha era um ator mais sutil e versátil. A marca de Dercy sempre foi, desde o primeiro fotograma, o escracho espontâneo.
Apesar do sucesso das primeiras atuações, Dercy ficou quase uma década longe das telas. Reapareceu em grande estilo na segunda metade da década de 50, quando encadeou uma série de comédias escritas especialmente para ela e ostentando muitas vezes no título o nome de suas personagens: "Cala a Boca, Etelvina", "Minervina Vem Aí", "Dona Violante Miranda" etc.
Trabalhando com os mais importantes diretores de comédias de seu tempo -Watson Macedo, Erides Ramos, Fernando de Barros-, Dercy compôs uma personagem que, a despeito da variedade de ambientes e situações, era sempre a mesma: uma mulher do povo (doméstica, costureira, cafetina) que, com sua presença de espírito e agudo senso crítico, subverte os valores da elite dominante.
É possível perceber ecos do seu estilo e da sua persona em atrizes tão diversas como Ema D'Ávila, Consuelo Leandro, Nair Bello, Marisa Orth e Regina Casé, e até num ator como Ronald Golias.
Estigmatizada como "a mulher dos palavrões", Dercy, no cinema, não os podia falar. Nem por isso sua presença nas telas foi menos contundente. Fiel a si mesma, encarnou a vingança simbólica do reprimido contra a empáfia e o "bom-gostismo" da nossa sociedade de salão.


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