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CECILIA GIANNETTI
Lei Seca
A cláusula que os proibia
de ir a bares foi idéia deles. Não viam motivo, se não pudessem tomar nada
PROPUS UM desafio a um casal
de contumazes freqüentadores dos Baixos -nome com
que batizaram os locais que concentram muitos bares no Rio- e das altas horas da madrugada em botequins de todos os bairros.
Duas cobaias, no final de seus 20
anos, são amostragem suficiente entre as dezenas que conheço e percorrem religiosamente o mesmo circuito. Representam estudantes cuja
idade de fato corresponde à adolescência e representam adolescentes
que já passaram dos 30.
A proposta: por 15 dias, desviar
sua vida social do ponto de encontro
por excelência do carioca -talvez do
país: o botequim. Beber em casa
também não valia: nada de uísque
na sala depois do trabalho, vinho no
apê dos amigos. Podiam circular, só
não podiam beber.
A cláusula que os proibia de ir a
bares, aliás, foi idéia deles. Não
viam motivo, se não pudessem tomar nada. A estrela do bar é o álcool,
disso ninguém duvida.
Então não colocariam os pés
no mítico Capela, na Lapa; nos
badalados Jobi e Bracarense, no
Leblon; no Braseiro nem no Hipódromo, no Baixo Gávea, local
preferido dos famosos para dar vexame no Rio.
Na primeira semana, pularam
uma festa de aniversário e um casamento. Enquanto perdurasse a Lei
Seca, veriam todos os filmes em cartaz, sorvendo um estranho café depois de cada sessão.
Nunca tinham se divertido tão
pouco e antes se achavam divertidíssimos.
Maconha ou pó para rirem juntos
outra vez, fora de cogitação: questão
política não "incentivar o tráfico",
como dizem.
Numa noite quase cederam ao
néon da Pizzaria Guanabara, mas
sabiam que a massa atrairia um tinto chileno e não conseguiriam cumprir um trato tão bobo.
Não era aposta. Era uma prova de
resistência que virou questão de
honra para os dois, e o dinheiro poderia estragar. O incentivo de um
prêmio ao final -caso conseguissem
cumprir a sentença- comprometeria os resultados.
Ele me confessou: sentiam falta
tanto do brilho que o álcool dava às
noites quanto um do outro. Do outro bêbado, fazendo todo mundo rir
com piadas orgulhosamente toscas,
da "pegação" quente quando estavam de fogo e de simplesmente desmaiar depois de transar.
Sóbria, ela era cínica: cidades como Rio e São Paulo são as capitais
dos interesses flutuantes e passageiros. A marchinha de Carnaval vinha-lhe à cabeça em loop: "Quanto riso,
quanta alegria. Mais de mil palhaços
no salão". Para que restringir-se a
um só, se as piadas envelhecem e
perdem a graça?
No Rio, onde toda nudez não
só é perdoada como incentivada
(ninguém anda de biquíni e chinelos
na Paulista), é assim que a banda
toca. Rara exceção o saxofonista
no metrô da Carioca soprar "It Had
to Be You".
Ao final dos 15 dias, descobriram
que não estavam apaixonados. Estiveram, antes, de porre. Sentindo um
pouco a culpa que me cabia, levei os
dois de volta a seu habitat natural.
Naquela noite paguei a conta.
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