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Aids afastou homens ainda mais da moda, afirma Queiroz
Duas guerras mundiais,
grandes transformações políticas e econômicas e, por fim, a
Aids, fizeram com que a vaidade masculina fosse quase impossível ao longo do século 20,
analisa a seguir Mario Queiroz.
FOLHA - Seu livro se chama "O Herói Desmascarado". Por que é preciso desmascarar o herói?
MARIO QUEIROZ - A ideia é desvendar como o homem de nosso tempo ainda é tão engessado
por esse arquétipo do herói. Eu
analiso por que o herói é uma
figura que acompanha desde
tempos imemoriais o homem,
que tem necessidade de ser o
vitorioso, o forte, o belo. Não
quis tirar a máscara de herói do
homem, pois ela está dentro
dele e é parte de uma cultura
muito antiga, mas quis constatar esse fenômeno e estudá-lo.
FOLHA - Você analisa sobretudo revistas europeias. No Brasil, o herói
tem o mesmo peso que em outras
partes do mundo, ou o brasileiro é
mais "macunaímico", "herói sem
nenhum caráter"?
QUEIROZ - Falo também do herói de todo dia. Mesmo que um
homem não tenha jamais realizado um ato heroico, ele é perseguido por essa ideia de que
precisa ser forte, ter uma postura de quem encara a fera. É
um arquétipo masculino, independentemente do país.
FOLHA - Por que o estilo das roupas
masculinas mudou tão pouco do início do século 20 até hoje?
QUEIROZ - O século 20 não foi
muito propício aos hedonismos. Houve duas guerras mundiais e grandes transformações
políticas e econômicas que tornaram quase impossível a vaidade masculina. Foi um século
do herói, do homem que tinha
que sustentar a guerra, a luta, a
industrialização -daí a forte
presença dos uniformes. No final do século 20, quando as coisas pareciam mais favoráveis à
ruptura da uniformização e à
aceitação da moda, veio a Aids.
Houve, então, um recuo. Os homens passaram a ter medo de
serem confundidos com doentes ao usarem roupas pouco
convencionais.
FOLHA - Por que os homens muitas
vezes veem a moda como algo que
interessa só a mulheres e gays?
QUEIROZ - Por vários fatores,
principalmente essa formação
que vem desde a infância, que
faz uma divisão rígida do que é
próprio de um gênero sexual e
não de um outro. Por que a moda é de mulherzinhas? Porque a
menininha ganha uma boneca
no primeiro aniversário, e o
menino ganha um carro. Na
adolescência, se um garoto
quer fazer um balayage no cabelo, ele só vai fazê-lo se seu herói no futebol fizer antes, como
ocorreu com David Beckham
ou Cristiano Ronaldo. Ele não
se permite fazer, porque vai ser
caçoado na escola. E isso continua na vida adulta, quando você vê seus amigos dizendo, caso
use uma camisa pouco convencional: "Onde você comprou tinha para homem?". Essas brincadeiras e expressões afetam a
visão que os homens têm da
moda. É muito difícil romper
com esse preconceito.
FOLHA - Existe no próprio meio da
moda dificuldade em aceitar inovações na roupa masculina?
QUEIROZ - Sim. As grifes tradicionais estão mais preocupadas
em desovar as grandes quantidades que produzem. Como a
maior parte dos homens ainda
está engessada em certos conceitos, as marcas acabam não
investindo em inovações, porque estão preocupadas com números e quantidade.
FOLHA - Qual é a razão do declínio
da alfaiataria no design de moda?
QUEIROZ - Antes, o homem que
usava terno era o poderoso, o
patrão, o político. O terno era
associado a uma imagem de poder e de riqueza. É muito interessante ver hoje que o manobrista também usa terno, assim
como o segurança. Houve um
desmoronamento do terno como símbolo de poder. Mas está
havendo um resgate do paletó.
Existem, por exemplo, bandas
de rock britânicas que preferem paletós acinturados e curtos às jaquetas. E esses músicos
influenciam os jovens, que redescobrem a alfaiataria.
FOLHA - Seu livro termina em tom
otimista. O que leva você a achar
que a situação da moda masculina
está melhor agora?
QUEIROZ - Porque hoje nós temos pelo menos um mercado
masculino que não é uma coisa
só. Existe o streetwear, o surfwear e outras diversificações
que começamos a vislumbrar.
Houve um tempo em que o
consumidor homem queria
uma dessas coisas: ou um terno
ou um casual básico. Hoje, a
possibilidade de segmentação
permite que, numa coleção, você tenha seis ou sete tipos diferentes de calças, uma maior variedade de cores e também de
estampas. Isso é já uma vitória
para um mercado que era tão
uniformizado. Também fico
contente quando entro na sala
de aula e vejo um número
maior de garotos que estudam
moda, sem que você possa rotulá-los disso e daquilo. São homens que veem a moda mais
como design e menos como pose e "carão".
O HERÓI DESMASCARADO
Autor: Mario Queiroz
Editora: Estação das Letras e Cores
Quanto: R$ 35 (151 págs.)
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