RICARDO CALIL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O grandalhão Jara (Horacio Camandule) é guarda noturno em um supermercado de Montevidéu, no Uruguai. Ele passa suas noites num cubículo diante de um monitor que exibe imagens do circuito interno. Já seus dias são gastos diante de uma televisão, vendo programas aleatoriamente ou jogando videogame com um sobrinho.
O marasmo da vida de Jara é quebrado pela chegada ao supermercado da faxineira Julia (Leonor Svarcas). Ele logo desenvolve uma obsessão pela moça, talvez uma paixão platônica. Passa a segui-la de noite com as câmeras de segurança, de dia pelas ruas. Aos poucos, ele tenta estabelecer contato -por exemplo, deixa um vaso com um cacto num corredor onde sabe que ela irá passar.
Longa-metragem de estreia do argentino radicado no Uruguai Adrián Biniez, "Gigante" é uma comédia romântica quase silenciosa, que trabalha muito bem com elementos utilizados com frequência tanto por certos filmes de jovens realizadores latinos -em particular o uruguaio "Whisky", de Juan Pablo Rebella-, quanto pelo cinema independente americano -especialmente a obra de Jim Jarmusch. Personagens solitários, sentimentos subterrâneos, cenários urbanos genéricos, trama rarefeita, tempos mortos fazem parte do pacote.
Mas "Gigante" é também um ensaio sobre um mundo sob constante vigilância, em que as relações são muitas vezes mediadas por câmeras e monitores, estabelecidas menos entre pessoas do que entre imagens.
Um dos méritos de Biniez é trabalhar tanto o lado cômico quanto o reflexivo de maneira delicada, sem buscar o riso fácil ou chamar atenção para questões mais fundas de que trata.
Em sua obsessão por Julia, Jara cria uma ficção sobre a moça e a dirige à distância de acordo com seus anseios -como se ele fosse um cineasta invisível e ela, sua musa. Aos poucos, ele descobre que a mulher palpável é igual à imaginada. "Gigante" não é apenas o esboço de um romance entre dois seres deslocados, como também entre o real e o ficcional.