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CRÍTICA ROMANCE
Yehoshua alterna ação entre Israel e África em romance
Autor israelense contrapõe os berços do judaísmo e da humanidade no livro
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Fogo Amigo - Um Dueto",
romance do escritor israelense A. B. Yehoshua (1936),
passa-se durante os oito dias
de Hanukah, festa judaica de
refundação do Templo,
quando é costume acender,
num candelabro próprio,
uma vela para cada dia.
Um casal sexagenário tem,
então, o seu convívio alterado: a mulher decide ir à Tanzânia, a fim de partilhar com
o cunhado, antigo diplomata, o luto pela irmã falecida,
enquanto o marido fica em
Tel Aviv, a cuidar dos negócios e do restante da família.
Todo o livro se dispõe como uma alternância de capítulos entre o que se passa em
Israel e África, como contraponto entre os berços do judaísmo e o da humanidade.
As duas séries têm interesse, mas suscitam narrativas
de tons bem diversos. O marido engenheiro, homem prático, está às voltas com problemas de sua empresa de projetos de elevadores: o barulho
dos ventos que penetram os
fossos de um arranha-céu recém-construído; a garantia
eterna dada por seu velho pai
ao elevador privado da antiga amante; a encomenda de
um elevador secreto pelo Ministério da Defesa.
A mulher, mais intelectualizada, lida com assuntos íntimos: a retomada do sentimento de luto pela perda da
irmã, diluído no dia-a-dia de
professora, mulher e avó; a
revolta do cunhado contra Israel e os profetas bélicos de
sua religião, causada tanto
pela morte do filho por "fogo
amigo" -isto é, pelas próprias tropas israelenses, durante uma emboscada fracassada nos territórios ocupados-, como pela consequente perda de sexualidade
e da vontade de viver de sua
mulher. A pontuar o percurso doloroso há uma irônica
missão arqueológica de
"scholars" africanos em busca de um ramo interrompido
na escala evolutiva entre o
macaco e o homo sapiens.
EXORCIZAR OS ESPÍRITOS
Nas duas histórias existem
duas personagens envoltas
em mistério e sofrimento, as
quais guardam propriedades
terapêuticas, taumatúrgicas
até. Pelo lado israelense, é a
especialista em ouvir barulhos nos elevadores e identificar suas causas: quase anã,
órfã, sem idade definida; da
parte africana, uma sudanesa alta, enfermeira e motorista da expedição, cujos parentes foram todos assassinados
num massacre de civis.
São mulheres sem sexo e
sem pertença, mas são as
únicas que exorcizam os ventos e os espíritos revoltos
-referidos pelo mesmo termo hebraico- que assombram as duas séries narrativas. Afora tais simetrias, não
há muito em comum nas
duas histórias.
O "dueto" entre elas não
chega a se afinar, a menos
que se force a ponto de produzir o que é ruim para ambas: sacrificar os acontecimentos, minuciosamente
descritos, em favor de elementos simbólicos de uma
tese pouco desenvolvida.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria
literária na Unicamp
FOGO AMIGO
AUTOR A. B. Yehoshua
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Davy Bogomoletz
QUANTO R$ 54,50 (400 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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