São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2010

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CRÍTICA ROMANCE

Mistura de ensaio e ficção diminui impacto da tese de "Ilusão da Alma"

FLÁVIO MOURA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O novo livro de Eduardo Giannetti adota um formato em voga na prosa contemporânea: a mistura entre ficção e ensaio. A proposta é discutir a relação entre o cérebro e a mente a partir dos filósofos antigos e estender o problema até o debate mais recente sobre neurociência.
É esse o tema de um ensaio que ocupa dois terços do livro. No terço restante, acompanhamos um personagem que extrai um tumor da cabeça e se torna obcecado pelo funcionamento da mente humana. O ensaio que lemos tem como autor este mesmo personagem.
Mas o que seria a novidade do livro -a hibridez do formato- é também sua fragilidade: fica a meio caminho entre o romance de ideias e a divulgação científica e deixa dúvidas sobre sua eficácia em cada um dos campos.
Giannetti não é neófito na ficção. Pelo contrário: o personagem que constrói tem espessura. Quem conta a história é um professor de literatura especialista em Machado de Assis. Como tal, adota os mesmos trejeitos dos narradores machadianos. Giannetti é hábil nessa transposição e escreve com mão leve.
Mas seu interesse não é explorar as ambiguidades de seu narrador: prefere usá-lo como escada para os trechos de não ficção do livro. E a separação entre os dois formatos é estanque: a seção ensaística vem grafada em fonte diferente ao fim do livro, encontram-se as notas de pé de página correspondentes.
O narrador toma partido e defende uma tese: ele argumenta em favor do "fisicalismo", segundo o qual a vida psíquica, a experiência subjetiva, a "mente" e a "alma" não seriam mais que subprodutos do funcionamento químico do cérebro. É uma trilha rica para discussão, mas que não casa com o formato híbrido nem com o didatismo que predomina no restante do livro.
Nas mãos de um professor fictício, a tese do "fisicalismo" apresenta menos força como convite ao debate intelectual do que se fosse endossada diretamente pelo professor real -o autor do livro. Usado como álibi, o fundo ficcional enfraquece o ensaio, de resto bem construído, e contribui mais para torná-lo prolixo do que para acrescentar novas camadas de sentido.
Autor de trabalho recente intitulado "O Livro das Citações", Giannetti segue na mesma toada. Desfia número incontável de autores de registro elevado, mas dá pouca atenção às mediações entre eles: Machado de Assis e Demócrito, Fernando Pessoa e Descartes são lembrados com a mesma naturalidade, como se a fama e o prestígio de cada um bastassem para conferir legitimidade às máximas que enfileiram sobre a "alma humana".
Giannetti poderia crescer como ficcionista se investisse no seu narrador e no tom machadiano que encontrou para ele. Mas o canto da sereia dos temas nobres o guiou em outra direção.


FLÁVIO MOURA é jornalista e mestre em sociologia pela USP


A ILUSÃO DA ALMA: BIOGRAFIA DE UMA IDEIA FIXA

AUTOR Eduardo Giannetti
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 46 (253 págs.)



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