São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2010

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CRÍTICA POESIA

A poesia de Adélia Prado soa conhecida em livro de inéditos

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Se humilde é um adjetivo elogioso, o verbo humilhar-se é negativo. Não para Adélia Prado, em cuja poesia as palavras têm a mesma origem: o húmus. Humilhar-se é aproximar-se da terra e admitir que as palavras são feitas desse chão.
"Eu só quero saber do microcosmo", diz o poema "Tão Bom Aqui", que abre seu último livro, "A Duração do Dia". E é no e do microcosmo que vêm os outros poemas, dizendo que, mesmo no sofrimento, é "tão bom aqui".
É assim a poesia religiosa de Adélia, para quem o pecado, o medo e o prazer são tão sagrados quanto o espírito e a panela de arroz.
Quando diz: "Sou um corpo e respiro./ Suspeito poder viver/ com meio prato e água", não se trata de apequenar-se diante de grandezas, mas de franqueza; o que basta é só um pouco: as mulheres, "todas da vida, dão de comer e comem/ coisas, de si, agradecidas".
Como em Jorge de Lima, as mulheres são "da vida" e quem está mais próximo de Deus é quem peca, os dementes e os que reconhecem que pouco é mais belo do que uma mãe dizendo à filha, antes de morrer: "vai calçar um trem,/ agora mesmo a casa enche de gente".
Nestes poemas em que a eternidade discute pacificamente com o tempo histórico, a "graça", como bênção, está intimamente ligada às ideias de agradecimento, graciosidade e humor.
Não é à toa que um ateu como Drummond tenha se espantado com essa poesia crente e crédula, em que metáforas elaboradas se casam com construções feitas de "pequeninos nadas".
Não é poesia para religiosos; é poesia de palavras que contêm e são contidas por um cristianismo original, que interessa também a quem não crê.
Entretanto, após uma carreira de grande fôlego poético e narrativo, algo nesse novo livro soa conhecido. A exigência de que sempre se produza o novo é polêmica e, mesmo assim, fica a vontade de que brotasse alguma semente não conhecida.
Talvez, por meses, uma fé menos teimosamente confessa, que se esgueirasse mais sorrateira entre as palavras. Mas é sempre bom que a poesia de Adélia continue nos afirmando que é muito bom que "amanhã seja outro dia,/ igual a este dia, igual,/ igual a este dia, igual".


A DURAÇÃO DO DIA

AUTOR Adélia Prado
EDITORA Record
QUANTO R$ 27,90 ( 112 págs.)
AVALIAÇÃO bom




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