São Paulo, sexta, 21 de agosto de 1998

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CINEMA ESTRÉIA

Teoria da conspiração

Reprodução/Rolling Stone
Foto sensual de David Duchovny e Gillian Anderson publicada pela Rolling Stone em 97. Mulder e Scully nunca tiveram um caso, mas vivem em eterna "tensão sexual"



A versão para o cinema de "Arquivo X", a série de TV mais vista no planeta, entra em cartaz hoje nas salas brasileiras; o longa traz os agentes Mulder e Scully às voltas com ETs e tramas governamentais; Folha traz entrevista com Chris Carter, o criador da série, e Jodi Dean, autora do recém-lançado livro "Aliens in America", que trata da paranóia americana em relação à ufomania


LÚCIO RIBEIRO
Editor-adjunto da Ilustrada

Quando o meio lunático, meio gênio agente Fox Mulder urina em um cartaz do filme "Independence Day", em uma cena do começo do longa-metragem "Arquivo X - Resista ao Futuro", na verdade ele está passando um recado na forma de ácido úrico.
Chegou às telas o filme que não vai transformar em um ufanista joguinho de videoclipe ("ID4") nem tratar com escárnio ("Marte Ataca") um fenômeno cultural que povoa o imaginário de quase metade da população americana.
A mais famosa série de TV dos anos 90 migra para o "big screen" levando a paranóia predileta deste fim de século: a ufomania misturada à conspiração governamental, que consegue ocultar evidências da presença de ETs entre nós. Os conspiradores do governo só não conseguem esconder os ETs da cultura pop, onde nesta década sempre foi possível ver aliens praticamente todos os dias -na TV, cinema, música, livros, Internet.
Você não acredita em "Arquivo X"? Então 18 milhões de pessoas só nos EUA, que grudam os olhos na TV para ver a série, não compactuam da sua opinião. Nem mesmo outros milhões de habitantes de 75 países no mundo, nos quais a série é mostrada. Nem ainda todos os internautas que navegam pelas 82 mil páginas dedicadas à série na rede dos computadores.
Ser alienígena nos EUA é coisa séria e "Arquivo X" sabe disso: uma pesquisa feita no começo da década apontou que 5 milhões de americanos acreditam já terem sido abduzidos por extraterrestres.
"Arquivo X" busca seu assombroso sucesso no imaginário criado pelo Incidente Roswell, uma história tão enigmática para os tempos modernos quanto a do assassinato do presidente Kennedy.
O que teria acontecido em Roswell, cidadezinha incrustada no Novo México, é o seguinte: numa manhã de julho de 1947, o jornal local estampava em sua manchete um comunicado oficial do exército americano confirmando que uma nave alienígena tripulada teria sido capturada ao cair em uma fazenda nos arredores da cidade.
Em meio ao alvoroço causado pela notícia, os militares, horas depois, vieram com um segundo comunicado. O que seriam destroços de uma nave na verdade eram um simples balão meteorológico. E não havia alienígena nenhum.
Muitos anos depois, em 1979, durante o documentário "UFOs Are Real", exibido em horário nobre pela TV NBC, um coronel chamado Jesse Marcel, que comandou a captura do "balão" de Roswell, soltou que o exército escondeu muita coisa sobre aquele incidente. E que a verdade de Roswell estaria muito mais perto do primeiro informe divulgado do que do desmentido posterior.
É sob o prisma de Roswell que funciona a cabeça do agente Mulder, do FBI. O seriado busca elaborar sua trama a partir da construção precisa do impreciso, a impressão de o real surgir a partir do que é considerado irreal.
O jogo de realidade e ficção é representado com habilidade em "Arquivo X" pela presença em cena dos agentes Mulder e Scully. Mulder analisa os estranhos casos baseado no irreal. Scully faz o nosso papel, o do telespectador comum e crédulo, contrapondo os argumentos de Mulder com a ciência, com "coisas reais".
O mote de "Arquivo X" é que a verdade está lá fora. Fora do alcance da razão. E vai sempre escapar, quanto mais se aproxime dela. Talvez aí esteja a graça da série.



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