São Paulo, sexta, 21 de agosto de 1998

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CRÍTICA
Filme se encaixa no pós-Guerra Fria

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Os agentes Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson), que se tornaram famosos pela série de TV, chegam a "Arquivo X - O Filme", um tanto em baixa.
Seu secretíssimo departamento foi extinto, o que os obriga a perseguir meros terroristas comuns. Pior: apesar de, com notável intuição, conseguirem evitar um tenebroso morticínio logo no início do filme -conseguem descobrir uma bomba que bota abaixo um edifício inteiro e evacuar o local em tempo-, acabam sendo responsabilizados pelas três mortes que acontecem no local.
Estamos, desde então, no clima paranóico adequado a essa categoria de heróis. Não muito diferentes de Batman, Homem-Aranha, Super-Homem e tantos outros, Mulder e Scully têm uma existência secreta, que não pode ser partilhada senão com seus milhões de espectadores. Na tela, porém, seus feitos devem passar incógnitos, nunca reconhecidos, marcados apenas por um grande "X" -signo das coisas proibidas.
Isso os coloca em posição ainda mais vulnerável, pois, além de se verem às voltas com alienígenas, ainda são excelentes bodes expiatórios para o FBI.
Não podem contar com o auxílio de ninguém, a não se ser de si mesmos. Cada movimento que executam é perigoso.
Trama cruzada
Em "Arquivo X - O Filme", eles se vêem às voltas com uma trama cruzada: enquanto os extraterrestres colocam em execução um plano de ocupação da Terra que remonta aos primórdios da espécie humana, o FBI puxa seu tapete: a bomba colocada no edifício, logo no início do filme, é obra do próprio FBI, e os cadáveres encontrados são colocados ali pelo próprio governo. Tudo configura uma trama para impedir que traços da presença dos ETs entre nós sejam apagados.
Um "subplot" não negligenciável acrescenta-se aos dois anteriores: como Mulder e Scully andam juntos o tempo todo, partilham a mesma solidão, e todo o tempo são lançados sinais de que a relação entre ambos poderia ser mais do que profissional, resta saber se afinal revelam sua paixão -este, parece que é um segredo para eles, embora os espectadores suspeitem de sua existência há algum tempo.
Na verdade, o ponto de tensão central em "Arquivo X" não são os ETs. Eles são, antes, o substrato a partir do qual o espectador é colocado diante de outro fenômeno: o caráter secreto do poder.
Todo o tempo desconfiamos de que os governos não são instituições tão democráticas quanto parecem.
Sua própria força os leva a tomar atitudes de que a percepção dos pobres civis é excluída.
Segredos do poder
Nunca sabemos com certeza quais são os segredos do poder. Sabe-se, porém, que existem e não são poucos. Suspeitamos que sirvam, a maior parte das vezes, para manipular os governados (ou seja, nós), fazendo-nos crer em algo que não acontece e descrer de coisas que acontecem.
O substrato mítico de "Arquivo X - O Filme" é, portanto, atualíssimo, pois aplica-se com perfeição ao mundo pós-Guerra Fria, em que, uma vez estabelecida a hegemonia mundial dos EUA em termos incontestáveis, as questões internas passam a parecer mais vitais do que antes.
Se isso basta para garantir ao menos um relativo sucesso ao lançamento do filme, convém observar que o roteiro, muito mais complicado do que complexo, não permite que as melhores premissas se desenvolvam. Ao mesmo tempo, a direção apagada de Rob Bowman não chega a estabelecer as linhas a que o espectador possa se referenciar, de modo a não se perder ali, ou tirar as consequências das melhores premissas da idéia que originou a série.



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