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ARTES PLÁSTICAS - CRÍTICA
O American dream e o monge
JOSÉ ROBERTO AGUILAR
especial para a Folha
A Ilustrada me convidou para
escrever sobre Romero Britto. Como artista plástico e com forte
sentido cooperativista, senti-me
desconfortável ao criticar um colega. Mas, como a arte é universal
e a pintura impessoal, deixei os
pruridos vitorianos de lado: arregaço as mangas e mando brasa.
As artes plásticas são a linguagem mais revolucionária do Brasil.
Depois de décadas de intenso profissionalismo e diálogo com o exterior, principalmente com as bienais, chegamos agora ao luxo de
poder agrupar mais de cem artistas de primeira linha.
Dá para formar dez times de futebol para ganhar qualquer Copa
sem curador Zagallo nenhum para
botar defeito.
Abro o jornal e vejo as exposições da semana: Nelson Leirner,
Nuno Ramos, Arthur Lescher,
Hércules Barsotti, Niura Bellavinha, Arthur Omar, a "Primeira",
de jovens artistas, José Bechara. O
paulistano está tão mal-acostumado quanto os romanos que comiam línguas de colibri... E Romero Britto e Carlos Uchôa, dos quais
vamos falar.
Segunda-feira, duas da tarde,
entro na galeria São Paulo. Tento
deixar meus preconceitos do lado
de fora. E talvez uma pitada de inveja também. Romero Britto fatura milhões, é uma indústria imagética. Em dólares, um mês dele é
igual a cinco anos meus.
Evoquei o deus Warhol para surfar na pop art de Britto. Com 20
exemplares imaginários da "Interview" mais a proteção dos arcanjos Basquiat e Keith Hering
mais a banana do Andy na capa do
Velvet Underground, assobiando
Lou Reed, entrei para gostar.
Não adiantou. Encontrei uma
arte decorativa fácil, diluída num
universo infantil sem o mínimo
traço de questionamento existencial. Uma mistura da arte do nacional-socialismo alemão de mãos
dadas com a arte bolchevique stalinista temperada num caldeirão
do Walt Disney. Nesse ambiente
de American dream, Faustão é
Kierkegaard, Ratinho é Pascal.
Tentei sair sorrateiramente,
quando Regina Boni me chamou:
"Oi, Aguilar, você por aqui? Deixe-me apresentar o artista". Romero é uma pessoa simpaticíssima. Transparente. Perguntei a ele
sobre suas raízes no Recife, quando pintava cajus, ele não se sentiu
à vontade em rever essas raízes.
Daí notei objetos sobre as mesas.
Uma garrafa de Absolut, magnificamente pintada. Uma caixa de lata do licor Grand Marnier, estupenda. Surgiu a luz. Romero Britto
é um excelente designer, intuitivo
ou não, é um excelente designer.
Aliviado por gostar de alguma coisa, continuei a conversa até com
uma ponta de orgulho de esse brasileiro ter realizado seu American
dream, mesmo que para mim seja
um American nightmare.
Saí da galeria, dei partida na minha Ipanema prateada, peguei a
Estados Unidos, virei à esquerda
na Colômbia e fui ao MuBE ver a
exposição de meu amigo monge
Carlos Uchôa. Carlos é um misto
de São Tomás de Aquino, Mira
Schendel e príncipe Mischkin. Estudamos no mesmo colégio (Dante Alighieri), eu antes, ele depois.
Conversamos e concordamos
muitas vezes. Depois que ele entrou para o convento, nunca mais
o vi. Ele não estava no museu, aliás
eu era o único na sala. Suas pinturas não procuram agradar a ninguém. Expressam a dor da busca,
da procura, e a alegria e a leveza do
achado. Vísceras e asas. Ao vê-las,
cheguei em casa, caí na história,
me extasiei. O sangue do humanismo corria nas minhas veias cantando "Tico-Tico no Fubá".
Mesmo sozinho, sentia que pelos
meus lados passavam o gótico, o
renascimento, o barroco, o rococó, o impressionismo, de repente
do meu lado direito estava o Marcel Duchamp, do esquerdo o Joseph Beuys, o Picasso, o Helio Oiticica... Não foi delírio, mas felicidade de ter saído da barbárie e ter
encontrado a civilização.
Desculpe-me, sei que essas dicotomias são enganosas, Romero
Britto navega no seu universo com
toda a veracidade e brilho do seu
ser, assim como Carlos Uchôa. O
que me fascina e deslumbra só interessa a mim. São minhas afinidades eletivas. Cartas de navegação.
José Roberto Aguilar é artista plástico, diretor
da Casa das Rosas.
Exposição: O Pop de Romero Britto
Onde: galeria São Paulo (av. Estados
Unidos, 1.456, Jardim Paulista, região
sudoeste, tel. 011/852-8855)
Quando: seg a sex, das 10h às 22h, sáb e
dom, das 10h às 19h; até 30 de agosto
Quanto: entrada franca
Exposição: Carlos Eduardo Uchôa
Onde: MuBE (r. Alemanha, 221, Jardim
Europa, região sudoeste, tel.
011/881-8611)
Quando: ter a dom, das 10h às 19h; até 13
de setembro
Quanto: entrada franca
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