São Paulo, sábado, 21 de setembro de 2002

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"TEATROS - UMA MEMÓRIA DO ESPAÇO CÊNICO NO BRASIL"

Catalogação faz abordagem mítica de edifícios

GUILHERME WISNIK
CRÍTICO DA FOLHA

O livro "Teatros - Uma Memória do Espaço Cênico no Brasil" apresenta um levantamento rigoroso e completo dos mais importantes teatros brasileiros. Assinado por J.C. Serroni, um dos mais respeitados cenógrafos do país, o livro resulta de uma longa pesquisa das nossas "casas de espetáculo", pautada tanto por critérios de valor arquitetônico dos edifícios quanto por sua importância para a história teatral.
Contudo, a organização do livro reduz suas potencialidades discursivas. Ordenados em sequência alfabética segundo o Estado de pertencimento, os teatros (ecléticos, barrocos ou modernos) apresentam-se numa sucessão indiferenciada que trunca possibilidades relacionais de leitura.
Dificuldade semelhante verifica-se também quanto ao uso das imagens: não há registro gráfico dos edifícios, como cortes e plantas que permitam identificar a lógica de suas organizações espaciais. Desse modo, perde-se a chance de informar, não só a arquitetos, mas a amantes do teatro em geral, os variados modos de relação entre platéias, galerias e foyers, por exemplo, ou até mesmo de explicar o que é uma coxia, ou um urdimento. Resulta, assim, a exposição de um material inegavelmente importante, mas de interesse limitado, sob a forma de um colecionismo de álbum.
Em texto introdutório ao livro, o arquiteto Gustavo Lanfranchi propõe a instigante idéia de que o teatro, em sua história, pode ser pensado como um índice das transformações urbanas no Brasil: do papel aglutinador que tinha, ligado à demarcação de espaços abertos, ao confinamento de ambientes como shoppings e centros culturais.
Contudo, essa proposta não toma corpo no desenvolvimento do livro, que apresenta as histórias de 88 teatros brasileiros, contendo memoriais e depoimentos de importantes personagens da cena teatral. Nessas páginas, encontramos interessantes passagens sobre a história isolada de cada teatro (quem financiou a construção, ou as companhias mais importantes que passaram por lá), mas não há proposta de amarração dessas informações.
Resulta uma história feita em tom de crônica, que não permite compreender, por exemplo, quais as razões do surgimento, já no século 19, de tão belos e singelos teatros em cidades como Pirenópolis (GO), Penedo (AL) e Lapa (PR).
Curiosas estórias são reveladas aqui e ali, como a persistência de Pascoal Carlos Magno, que inventou um pólo cultural afastado das capitais, em Pati dos Alferes (RJ), ou a perseverança de Dona Eva Sopher, responsável pela recuperação de teatros como o São Pedro, em Porto Alegre.
Mas o que há por trás de histórias heróicas de personalidades? Em que medida a dinâmica cultural, expressa por meio dos teatros, corresponde a uma lógica de confirmação ou de inversão da importância de centros regionais? A precedência temporal de suntuosos teatros em cidades como Manaus (1896), Belém (1878), Recife (1850) e Porto Alegre (1858), em relação ao Municipal do Rio (1909), permite intuir tal questão. A comparação entre São Paulo e Jundiaí no século 20 também.
Por fim, o tom de crônica é reforçado pelo caráter memorialista dos depoimentos. Relatando experiências eminentemente afetivas sobre os espaços, ao lado de fotos das salas vazias, evoca-se a sacralidade mítica daqueles lugares de tantas histórias.
Essa abordagem aurática, por fixar uma memória imóvel, se afina bem com um clima de saudades dos tempos gloriosos do teatro, mas não com a sua pulsação viva ainda hoje, que se reinventa permanentemente a cada noite. Uma história das encenações e dos cenários, os espaços cênicos em ato, seria um bem-vindo complemento a essa competente catalogação.


Teatros
  

Autor: J.C. Serroni
Editora: Senac São Paulo
Quanto: R$ 90 (358 págs.)



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