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"TEATROS - UMA MEMÓRIA DO ESPAÇO CÊNICO NO BRASIL"
Catalogação faz abordagem mítica de edifícios
GUILHERME WISNIK
CRÍTICO DA FOLHA
O livro "Teatros - Uma Memória do Espaço Cênico no
Brasil" apresenta um levantamento rigoroso e completo dos
mais importantes teatros brasileiros. Assinado por J.C. Serroni, um
dos mais respeitados cenógrafos
do país, o livro resulta de uma
longa pesquisa das nossas "casas
de espetáculo", pautada tanto por
critérios de valor arquitetônico
dos edifícios quanto por sua importância para a história teatral.
Contudo, a organização do livro
reduz suas potencialidades discursivas. Ordenados em sequência alfabética segundo o Estado de
pertencimento, os teatros (ecléticos, barrocos ou modernos) apresentam-se numa sucessão indiferenciada que trunca possibilidades relacionais de leitura.
Dificuldade semelhante verifica-se também quanto ao uso das
imagens: não há registro gráfico
dos edifícios, como cortes e plantas que permitam identificar a lógica de suas organizações espaciais. Desse modo, perde-se a
chance de informar, não só a arquitetos, mas a amantes do teatro
em geral, os variados modos de
relação entre platéias, galerias e
foyers, por exemplo, ou até mesmo de explicar o que é uma coxia,
ou um urdimento. Resulta, assim,
a exposição de um material inegavelmente importante, mas de interesse limitado, sob a forma de
um colecionismo de álbum.
Em texto introdutório ao livro,
o arquiteto Gustavo Lanfranchi
propõe a instigante idéia de que o
teatro, em sua história, pode ser
pensado como um índice das
transformações urbanas no Brasil: do papel aglutinador que tinha, ligado à demarcação de espaços abertos, ao confinamento de
ambientes como shoppings e centros culturais.
Contudo, essa proposta não toma corpo no desenvolvimento do
livro, que apresenta as histórias de
88 teatros brasileiros, contendo
memoriais e depoimentos de importantes personagens da cena
teatral. Nessas páginas, encontramos interessantes passagens sobre a história isolada de cada teatro (quem financiou a construção,
ou as companhias mais importantes que passaram por lá), mas
não há proposta de amarração
dessas informações.
Resulta uma história feita em
tom de crônica, que não permite
compreender, por exemplo, quais
as razões do surgimento, já no século 19, de tão belos e singelos teatros em cidades como Pirenópolis
(GO), Penedo (AL) e Lapa (PR).
Curiosas estórias são reveladas
aqui e ali, como a persistência de
Pascoal Carlos Magno, que inventou um pólo cultural afastado das
capitais, em Pati dos Alferes (RJ),
ou a perseverança de Dona Eva
Sopher, responsável pela recuperação de teatros como o São Pedro, em Porto Alegre.
Mas o que há por trás de histórias heróicas de personalidades?
Em que medida a dinâmica cultural, expressa por meio dos teatros,
corresponde a uma lógica de confirmação ou de inversão da importância de centros regionais? A
precedência temporal de suntuosos teatros em cidades como Manaus (1896), Belém (1878), Recife
(1850) e Porto Alegre (1858), em
relação ao Municipal do Rio
(1909), permite intuir tal questão.
A comparação entre São Paulo e
Jundiaí no século 20 também.
Por fim, o tom de crônica é reforçado pelo caráter memorialista
dos depoimentos. Relatando experiências eminentemente afetivas sobre os espaços, ao lado de
fotos das salas vazias, evoca-se a
sacralidade mítica daqueles lugares de tantas histórias.
Essa abordagem aurática, por fixar uma memória imóvel, se afina
bem com um clima de saudades
dos tempos gloriosos do teatro,
mas não com a sua pulsação viva
ainda hoje, que se reinventa permanentemente a cada noite. Uma
história das encenações e dos cenários, os espaços cênicos em ato,
seria um bem-vindo complemento a essa competente catalogação.
Teatros
Autor: J.C. Serroni
Editora: Senac São Paulo
Quanto: R$ 90 (358 págs.)
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