São Paulo, segunda-feira, 21 de setembro de 2009

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"Não existe maldição, sou quase sortudo"

Terry Gilliam fala da morte de Heath Ledger e comenta projeto sobre Dom Quixote

"Os deuses do cinema gostam de tornar as coisas mais difíceis para mim, mas acho que o resultado são filmes melhores", diz

DO ENVIADO A TORONTO

Leia trechos da entrevista que Terry Gilliam deu à Folha na quinta, durante o Festival de Toronto. (SÉRGIO DÁVILA)

 

FOLHA - O sr. pode começar explicando por que "Brazil" no título de "Brazil, o Filme"?
TERRY GILLIAM - Nos anos 40, nos EUA, época em que cresci, havia todas aquelas músicas que vinham do sul da fronteira com o México [cantarola "Aquarela do Brasil", que está na trilha de seu filme de 1985]. Pareciam vir de um mundo romântico lá na América do Sul, onde o amor florescia e tudo era lindo... Cresci em Minneapolis, era frio, não tínhamos dinheiro, mas em algum lugar do mundo existia esse lugar paradisíaco, e era isso o que o Brasil significava para mim. Era isso também para o personagem do filme, o oposto de tudo o que ele vivia. Nunca estive no país.

FOLHA - O sr. parece o mais não americano dos diretores americanos, no sentido de que foge de convenções seguidas pela maior parte de seus pares.
GILLIAM - Não é meu plano, é por acaso. No caso de "Parnassus", por exemplo, pensei só no começo do filme, uma carruagem antiga com uma trupe exibindo um espetáculo antigo, ao qual ninguém presta atenção, uma forma de arte completamente ignorada. Aos poucos, a coisa toda cresce. Eu gostaria de fazer um filme com efeitos especiais incríveis, como os outros diretores, mas não tenho dinheiro, então eu limito os momentos em que isso acontece no filme.

FOLHA - Quão difícil é ser o sr. nessa indústria?
GILLIAM - Não tenho escolha. Vivo na Inglaterra há 42 anos e não perdi meu sotaque norte-americano, ou seja, fui formado em algum momento assim e assim fiquei. Mas não sou otimista em relação à indústria. Hoje, você só pode fazer um filme de US$ 200 milhões ou de US$ 2 milhões. Não há nada no meio-termo, e estou no meio-termo, meus filmes custam entre US$ 20 milhões e US$ 40 milhões.

FOLHA - Em uma das cenas, feitas já depois da morte de Heath Ledger, o personagem dele encontra barquinhos com as fotos da princesa Diana e dos atores Rudolph Valentino e James Dean, numa referência aos que morreram jovens e no auge. Ele foi vítima da cultura de celebridades?
GILLIAM - Não, Heath era muito centrado. Não sei o que aconteceu exatamente. Pode ter tomado muitas pílulas para dormir, acordou e se esqueceu que já tinha tomado, sei lá, mas todas as histórias que cercam sua morte são bobagens. Não havia neurose nele, e isso é que torna tudo trágico.

FOLHA - Seu próximo projeto é a biografia de Dom Quixote, abandonada em 2000. É seu "Fitzcarraldo", o sonho impossível de realizar?
GILLIAM - Se você vai filmar a vida de Dom Quixote, é bom que o projeto seja um sonho impossível! [Risos] Mas é engraçado, porque eu briguei com advogados por sete, oito anos para conseguir os direitos do roteiro de volta, venci e falei: "Agora vai". Mas aí eu li o texto e achei que não era muito bom. Reescrevi e está muito melhor! É quase uma sorte o filme ter sofrido o colapso que sofreu.

FOLHA - Então o sr. não acredita no que a indústria chama de "a maldição de Gilliam"?
GILLIAM - Não, não acredito... Acho que é quase o oposto, eu sou quase sortudo. Não acho que foi a "maldição de Gilliam" que matou Heath nem que matou o filme de Quixote. Os deuses do cinema gostam de tornar as coisas mais difíceis para mim, mas acho que o resultado são filmes melhores, porque foram tão difíceis de ser feitos.


Leia a íntegra da entrevista www.folha.com.br/092623



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