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"Não existe maldição, sou quase sortudo"
Terry Gilliam fala da morte de Heath Ledger e comenta projeto sobre Dom Quixote
"Os deuses do cinema gostam de tornar as coisas mais difíceis para mim, mas acho que o resultado são filmes melhores", diz
DO ENVIADO A TORONTO
Leia trechos da entrevista
que Terry Gilliam deu à Folha
na quinta, durante o Festival
de Toronto.
(SÉRGIO DÁVILA)
FOLHA - O sr. pode começar explicando por que "Brazil" no título de
"Brazil, o Filme"?
TERRY GILLIAM - Nos anos 40, nos
EUA, época em que cresci, havia todas aquelas músicas que
vinham do sul da fronteira com
o México [cantarola "Aquarela
do Brasil", que está na trilha de
seu filme de 1985]. Pareciam vir
de um mundo romântico lá na
América do Sul, onde o amor
florescia e tudo era lindo...
Cresci em Minneapolis, era
frio, não tínhamos dinheiro,
mas em algum lugar do mundo
existia esse lugar paradisíaco, e
era isso o que o Brasil significava para mim. Era isso também
para o personagem do filme, o
oposto de tudo o que ele vivia.
Nunca estive no país.
FOLHA - O sr. parece o mais não
americano dos diretores americanos, no sentido de que foge de convenções seguidas pela maior parte
de seus pares.
GILLIAM - Não é meu plano, é
por acaso. No caso de "Parnassus", por exemplo, pensei só no
começo do filme, uma carruagem antiga com uma trupe exibindo um espetáculo antigo, ao
qual ninguém presta atenção,
uma forma de arte completamente ignorada. Aos poucos, a
coisa toda cresce. Eu gostaria
de fazer um filme com efeitos
especiais incríveis, como os outros diretores, mas não tenho
dinheiro, então eu limito os
momentos em que isso acontece no filme.
FOLHA - Quão difícil é ser o sr. nessa indústria?
GILLIAM - Não tenho escolha.
Vivo na Inglaterra há 42 anos e
não perdi meu sotaque norte-americano, ou seja, fui formado
em algum momento assim e assim fiquei. Mas não sou otimista em relação à indústria. Hoje,
você só pode fazer um filme de
US$ 200 milhões ou de US$ 2
milhões. Não há nada no meio-termo, e estou no meio-termo,
meus filmes custam entre US$
20 milhões e US$ 40 milhões.
FOLHA - Em uma das cenas, feitas
já depois da morte de Heath Ledger,
o personagem dele encontra barquinhos com as fotos da princesa Diana
e dos atores Rudolph Valentino e James Dean, numa referência aos que
morreram jovens e no auge. Ele foi
vítima da cultura de celebridades?
GILLIAM - Não, Heath era muito
centrado. Não sei o que aconteceu exatamente. Pode ter tomado muitas pílulas para dormir, acordou e se esqueceu que
já tinha tomado, sei lá, mas todas as histórias que cercam sua
morte são bobagens. Não havia
neurose nele, e isso é que torna
tudo trágico.
FOLHA - Seu próximo projeto é a
biografia de Dom Quixote, abandonada em 2000. É seu "Fitzcarraldo",
o sonho impossível de realizar?
GILLIAM - Se você vai filmar a vida de Dom Quixote, é bom que
o projeto seja um sonho impossível! [Risos] Mas é engraçado,
porque eu briguei com advogados por sete, oito anos para
conseguir os direitos do roteiro
de volta, venci e falei: "Agora
vai". Mas aí eu li o texto e achei
que não era muito bom. Reescrevi e está muito melhor! É
quase uma sorte o filme ter sofrido o colapso que sofreu.
FOLHA - Então o sr. não acredita no
que a indústria chama de "a maldição de Gilliam"?
GILLIAM - Não, não acredito...
Acho que é quase o oposto, eu
sou quase sortudo. Não acho
que foi a "maldição de Gilliam"
que matou Heath nem que matou o filme de Quixote. Os deuses do cinema gostam de tornar
as coisas mais difíceis para
mim, mas acho que o resultado
são filmes melhores, porque foram tão difíceis de ser feitos.
Leia a íntegra da
entrevista
www.folha.com.br/092623
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