São Paulo, sexta-feira, 21 de outubro de 2005

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"O PROJETO GOEBBELS"

Documentário recita profecias do nazista

MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO

Como bom dirigente nazista, Joseph Goebbels era dado a profecias. Mas ele foi muito além das conhecidas "previsões" sobre o futuro sombrio dos judeus da Europa, que todo líder do Terceiro Reich gostava de recitar, a começar por Hitler. O documentário "O Projeto Goebbels" mostra que ele era bem mais sofisticado: suas teorias sobre comunicação política são assustadoramente pertinentes nestes dias em que estadistas resultam da milimétrica elaboração de marqueteiros.
Com sensibilidade instintiva, Goebbels formulou a estrutura de propaganda da Alemanha nazista, um dos pilares do regime, ao lado do terrorismo. Certo de que a história lhe daria razão, ele argumenta: "Não há bom governo sem propaganda". Idéias como essa conferiam a Goebbels brilho próprio num universo criado para fazer apenas Hitler reluzir.
O diretor Lutz Hachmeister mostra quem é esse personagem, muito comentado e pouco conhecido, por meio da leitura de seus diários, feita por Kenneth Branagh. O documentário faz ligeiras intervenções; é Goebbels, e sobretudo ele, quem comenta os acontecimentos de seu tempo. O filme mostra um Goebbels torturado, que teve problemas com a mulher, com dirigentes nazistas e mesmo com Hitler, a quem acusa de lhe faltar com a palavra.
Ele se refere a si mesmo como um homem solitário e triste, que sofre desesperadamente por causa de dores. Declara ter tido alucinações na infância, época "sem alegria", segundo suas palavras.
Não é difícil, diante disso, deixar-se seduzir pela impressão de que esse passado fez de Goebbels o celerado que conhecemos. Talvez sim, talvez não. O fato histórico é que a apática Alemanha que precedeu a ascensão nazista era o ambiente ideal para a glória de atormentados como Goebbels. "A revolução está dentro de mim."
O documentário é feito para que Goebbels explique seu papel nessa revolução com suas próprias palavras. Ele faz várias considerações sobre a capacidade do novo regime de criar uma realidade a partir da simples vontade de que ela se materialize, fenômeno em que a propaganda tem óbvio papel central. E Goebbels, cuja crença na superioridade ariana é inabalável, surpreende ao dizer que os nazistas têm o que aprender com os bolcheviques nessa área.
O ministro demonstra, porém, que não há boa propaganda sem um bom "produto": Hitler. Num dos melhores momentos do filme, o ministro disseca a capacidade oratória do führer. Afirma que nada se compara a ele no que diz respeito à "harmonia entre palavra, gesto, expressão" -e a prova disso é uma imagem em que Hitler, durante um discurso, demonstra domínio total da situação e explora longos segundos de silêncio para eletrizar a audiência.
Mas o que torna Goebbels inquietante é sua capacidade de antecipar o futuro da comunicação na nascente sociedade de massa. Ele prevê o sucesso da TV, comenta o alcance do cinema e planeja estratégias com a imprensa. "A nova geração é midiática", afirma. Nada mais profético.


O Projeto Goebbels
The Goebbels Experiment
   
Direção: Lutz Hachmeister
Quando: amanhã, às 17h40, no Cineclube Vitrine; e dias 28, às 18h30, no Espaço Unibanco; e 30, às 14h, no Reserva Cultural


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