São Paulo, terça-feira, 21 de novembro de 2000

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MÚSICA ERUDITA
Alfred Schnittke faz valer concerto da Osesp

ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Quem conhece Alfred Schnittke? Muito renomado, mas pouco tocado entre nós, o maior compositor russo da segunda metade do século 20 permanece mal conhecido até mesmo do público regular de concertos. Sorte do público, então, que teve chance de escutar o seu "Concerto para Piano e Orquestra de Cordas", interpretado por Emma Schmidt e a Osesp, sábado à tarde, na Sala São Paulo.
Schnittke é compreensível e comovente mesmo para aqueles ouvidos menos afeitos à música do nosso tempo. Sua compreensibilidade não tem nada de programática, muito menos de condescendência. É da estrutura dessa arte o jogo com materiais conhecidos, justapostos ao que ela tem, também, de espantoso e desconhecido.
O próprio Schnittke (1934-98) falava em "poliestilismo" para descrever essa combinação de música trivial e erudita, de tonalidade e atonalismo. Há sempre conflito entre o que vem "de fora" e o que sai "de dentro" dessa música. No contexto de época, ela implicitamente põe em xeque a ideologia dominante (o presidente Brejnev chegou a proibir a execução de suas obras na União Soviética). Mas o contexto passou, e a música não passa. Se a circunstância vive, é porque foi traduzida em termos que vão além de qualquer contingência.
Essa noção explica, nalguma medida, a interpretação cuidadosa, mas um tanto contida, da pianista austríaca Emma Schmidt. Ela responde com muito maior empatia às interioridades do que à carnavalização. O "Concerto" começa com o piano tocando uma sequência de intervalos simples, que vão se fazendo mais e mais cromáticos e gerando "campos" da harmonia, até a entrada quase inaudível das cordas. Do inaudível ao tumultuoso é um progresso interrompido, mas certo. O processo se inverte ao fim dos 25 minutos, que articula várias sequências similares, num ambiente de desespero calmo ou cultivada resignação.
Poucos compositores dos últimos 40 anos têm tamanha e tão imediata presença na música quanto Schnittke. Oxalá se possa escutar esse concerto mais vezes. Só a Osesp tem a autoridade e a audácia (sem falar na competência) para bancar a entrada de uma composição como essa no nosso repertório.
Não se pode dizer o mesmo das "Variações sobre um Tema Brasileiro" de Francisco Braga (1868-1945). As "Variações" são um bibelô ameno de brasilidade, nos termos cordiais do início do século. Não fazem mal a ninguém, mas não fazem diferença.
Segunda parte: a "Sinfonia nš 3" de Mendelssohn (1809-47). Regida pelo maestro convidado Günter Neuhold, a Osesp fez a "Escocesa" soar muito leve e simples. Talvez haja virtudes nisso: a juventude ideal de Mendelssohn esconde o virtuosismo do compositor, capaz de inventar outras vias para a sinfonia, depois de Beethoven. A Osesp, de qualquer modo, pode bem mais do que o maestro pediu.
Quem está reclamando? Só Schnittke já valeria a tarde. O resto foi bônus; e um bom concerto, mesmo sem as maiores excelências, já é um prêmio para qualquer um de nós.


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