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MÚSICA ERUDITA
Alfred Schnittke faz valer concerto da Osesp
ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Quem conhece Alfred
Schnittke? Muito renomado,
mas pouco tocado entre nós, o
maior compositor russo da segunda metade do século 20 permanece mal conhecido até mesmo do público regular de concertos. Sorte do público, então, que
teve chance de escutar o seu
"Concerto para Piano e Orquestra
de Cordas", interpretado por Emma Schmidt e a Osesp, sábado à
tarde, na Sala São Paulo.
Schnittke é compreensível e comovente mesmo para aqueles ouvidos menos afeitos à música do
nosso tempo. Sua compreensibilidade não tem nada de programática, muito menos de condescendência. É da estrutura dessa
arte o jogo com materiais conhecidos, justapostos ao que ela tem,
também, de espantoso e desconhecido.
O próprio Schnittke (1934-98)
falava em "poliestilismo" para
descrever essa combinação de
música trivial e erudita, de tonalidade e atonalismo. Há sempre
conflito entre o que vem "de fora"
e o que sai "de dentro" dessa música. No contexto de época, ela
implicitamente põe em xeque a
ideologia dominante (o presidente Brejnev chegou a proibir a execução de suas obras na União Soviética). Mas o contexto passou, e
a música não passa. Se a circunstância vive, é porque foi traduzida
em termos que vão além de qualquer contingência.
Essa noção explica, nalguma
medida, a interpretação cuidadosa, mas um tanto contida, da pianista austríaca Emma Schmidt.
Ela responde com muito maior
empatia às interioridades do que
à carnavalização. O "Concerto"
começa com o piano tocando
uma sequência de intervalos simples, que vão se fazendo mais e
mais cromáticos e gerando "campos" da harmonia, até a entrada
quase inaudível das cordas. Do
inaudível ao tumultuoso é um
progresso interrompido, mas certo. O processo se inverte ao fim
dos 25 minutos, que articula várias sequências similares, num
ambiente de desespero calmo ou
cultivada resignação.
Poucos compositores dos últimos 40 anos têm tamanha e tão
imediata presença na música
quanto Schnittke. Oxalá se possa
escutar esse concerto mais vezes.
Só a Osesp tem a autoridade e a
audácia (sem falar na competência) para bancar a entrada de uma
composição como essa no nosso
repertório.
Não se pode dizer o mesmo das
"Variações sobre um Tema Brasileiro" de Francisco Braga (1868-1945). As "Variações" são um bibelô ameno de brasilidade, nos
termos cordiais do início do século. Não fazem mal a ninguém,
mas não fazem diferença.
Segunda parte: a "Sinfonia nš 3"
de Mendelssohn (1809-47). Regida pelo maestro convidado Günter Neuhold, a Osesp fez a "Escocesa" soar muito leve e simples.
Talvez haja virtudes nisso: a juventude ideal de Mendelssohn esconde o virtuosismo do compositor, capaz de inventar outras vias
para a sinfonia, depois de Beethoven. A Osesp, de qualquer modo,
pode bem mais do que o maestro
pediu.
Quem está reclamando? Só
Schnittke já valeria a tarde. O resto foi bônus; e um bom concerto,
mesmo sem as maiores excelências, já é um prêmio para qualquer um de nós.
Avaliação:
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