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São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 2003

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CINEMA/ESTRÉIAS

"Tempo de Guerra" e Made in USA", dirigidos pelo cineasta francês, chegam às telas de São Paulo

Brecht marca ritmo lúdico de Godard

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

"O riginalidade é tentar fazer como os outros e não conseguir." A frase, atribuída a Robert Bresson, cabe a Godard. Correr atrás das referências dos filmes de Godard é uma empreitada por vezes divertida, mas invariavelmente inútil.
Vejamos o caso das duas obras da fase lúdico-cinefílica do cineasta que estão sendo relançadas, "Tempo de Guerra" e "Made in USA". Nesta última, Godard chega à fórmula: filme de Walt Disney mais sangue igual a filme político. Para "Tempo de Guerra", a fórmula poderia ser: Rossellini (pai do neo-realismo) mais Mack Senett (pai do burlesco) igual a "Ubu Rei" (peça de Alfred Jarry). Bem, mas o que essas fórmulas querem dizer?
Antes é preciso lembrar: a relação de Godard com suas referências tende a ser ou muito direta ou do tipo "indireta livre". Godard é um mau aluno, discípulo infiel capaz de subverter qualquer pensamento com seus paradoxos.
Rossellini bem o sabia. Nos anos 50, depois de ler as palavras que Godard, então um jovem crítico, colocara em sua boca em uma falsa entrevista publicada no semanário "Arts", Rossellini o convidou para uma visita. Ficara encantado com as palavras que lhe haviam sido emprestadas: Godard parecia compreendê-lo. Em sua casa, porém, Rossellini não demorou a descobrir que a proximidade não favoreceria Godard.
Rossellini adotou Truffaut como secretário, mas nunca deixou de se antenar mais em Godard. Em "Tempo de Guerra", Godard parte de uma peça teatral de Rossellini para chegar a um novo "Ubu Rei", o que deve ter sido motivo de espanto e admiração da parte do diretor italiano.
Seguindo o seu método do "one plus one" (um mais um), Godard chega, em "Tempo de Guerra", a uma polifonia da guerra, com cada plano pretendendo corresponder a uma idéia ou a um sentimento ligados às guerras. A crítica podia espinafrar à vontade: o filme, sugeriu Godard, era endereçado à inteligência das crianças.
Se tivermos que estabelecer um mínimo denominador comum entre "Tempo de Guerra" (1963) e "Made in USA" (1966), este seria Brecht. No filme de 63, Godard negava ao espectador, brechtianamente, as gratificações oferecidas pelos filmes de guerra. No de 66, o fazia se perder na história de uma testemunha cujas sucessivas constatações não tinham lógica nem consequência, num antifilme de investigação.
O intento da investigação godardiana era pôr no banco dos réus a civilização americana. "Made in USA" é o último filme de sua fase lúdico-cinefílica, fim dos "anos Anna Karina" e início da fase política e mais brechtiana de Godard. A voz do cineasta já não surgia em cena para exaltar Karina, mas para declarar o "ano zero da esquerda".


Made in USA
Made in USA
    
Direção e roteiro: Jean-Luc Godard
Produção: França, 1966
Com: Anna Karina, Jean-Pierre Léaud
Quando: a partir de hoje no Top Cine

Tempo de Guerra
Les Carabiniers
    
Direção e diálogos: Jean-Luc Godard
Produção: França/Itália, 1963
Com: Marino Mase, Albert Juross
Quando: a partir de hoje no Top Cine



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