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CINEMA/ESTRÉIAS
"Tempo de Guerra" e Made in USA", dirigidos pelo cineasta francês, chegam às telas de São Paulo
Brecht marca ritmo lúdico de Godard
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
"O riginalidade é tentar
fazer como os outros e
não conseguir." A frase, atribuída
a Robert Bresson, cabe a Godard.
Correr atrás das referências dos
filmes de Godard é uma empreitada por vezes divertida, mas invariavelmente inútil.
Vejamos o caso das duas obras
da fase lúdico-cinefílica do cineasta que estão sendo relançadas, "Tempo de Guerra" e "Made
in USA". Nesta última, Godard
chega à fórmula: filme de Walt
Disney mais sangue igual a filme
político. Para "Tempo de Guerra", a fórmula poderia ser: Rossellini (pai do neo-realismo) mais
Mack Senett (pai do burlesco)
igual a "Ubu Rei" (peça de Alfred
Jarry). Bem, mas o que essas fórmulas querem dizer?
Antes é preciso lembrar: a relação de Godard com suas referências tende a ser ou muito direta ou
do tipo "indireta livre". Godard é
um mau aluno, discípulo infiel capaz de subverter qualquer pensamento com seus paradoxos.
Rossellini bem o sabia. Nos
anos 50, depois de ler as palavras
que Godard, então um jovem crítico, colocara em sua boca em
uma falsa entrevista publicada no
semanário "Arts", Rossellini o
convidou para uma visita. Ficara
encantado com as palavras que
lhe haviam sido emprestadas: Godard parecia compreendê-lo. Em
sua casa, porém, Rossellini não
demorou a descobrir que a proximidade não favoreceria Godard.
Rossellini adotou Truffaut como secretário, mas nunca deixou
de se antenar mais em Godard.
Em "Tempo de Guerra", Godard
parte de uma peça teatral de Rossellini para chegar a um novo
"Ubu Rei", o que deve ter sido
motivo de espanto e admiração
da parte do diretor italiano.
Seguindo o seu método do "one
plus one" (um mais um), Godard
chega, em "Tempo de Guerra", a
uma polifonia da guerra, com cada plano pretendendo corresponder a uma idéia ou a um sentimento ligados às guerras. A crítica podia espinafrar à vontade: o
filme, sugeriu Godard, era endereçado à inteligência das crianças.
Se tivermos que estabelecer um
mínimo denominador comum
entre "Tempo de Guerra" (1963) e
"Made in USA" (1966), este seria
Brecht. No filme de 63, Godard
negava ao espectador, brechtianamente, as gratificações oferecidas pelos filmes de guerra. No de
66, o fazia se perder na história de
uma testemunha cujas sucessivas
constatações não tinham lógica
nem consequência, num antifilme de investigação.
O intento da investigação godardiana era pôr no banco dos
réus a civilização americana.
"Made in USA" é o último filme
de sua fase lúdico-cinefílica, fim
dos "anos Anna Karina" e início
da fase política e mais brechtiana
de Godard. A voz do cineasta já
não surgia em cena para exaltar
Karina, mas para declarar o "ano
zero da esquerda".
Made in USA
Made in USA
Direção e roteiro: Jean-Luc Godard
Produção: França, 1966
Com: Anna Karina, Jean-Pierre Léaud
Quando: a partir de hoje no Top Cine
Tempo de Guerra
Les Carabiniers
Direção e diálogos: Jean-Luc Godard
Produção: França/Itália, 1963
Com: Marino Mase, Albert Juross
Quando: a partir de hoje no Top Cine
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