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"PRÊT-À-PORTER"/CRÍTICA
Filha de Gilberto Gil estréia fazendo provocações durante show no DirecTV Music Hall
Falsa loira e falsa fútil, Preta Gil treme em palco paulista
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Tremendo feito vara verde,
Preta Gil subiu pela primeira
vez como protagonista num grande palco paulistano, o do DirecTV
Music Hall, anteontem.
Antes, uma enorme fila se formava à entrada -mas era no guichê "VIP" dos "convidados especiais", não do público (esse não apareceu). Todo mundo sabe que
aquela estréia tão chique e pomposa só acontecia porque ela é
herdeira do poderio tropicalista,
rebento de Gilberto Gil, filha do
ministro da Cultura.
Atirada aos leões, Preta pulava
etapas tropeçando nas barreiras e
estreava, ainda semi-amadora,
numa casa de porte e profissionalismo grandes demais para ela.
Nem Maria Rita, sua antípoda genética e musical, ousou tal afobação, tal equívoco.
Mas, por incrível que pareça, a
coisa funcionou, mesmo com os
botões de equalização todos desajustados. Preta canta tudo (e tudo
vai de João Donato a Os Morenos
- "marrom bombom, marrom bombom") de modo monocórdico, com voz de patricinha. Mas
tem vozeirão e não se envergonha
nada de cantar. Canta e acaba encantando, mesmo toda errada.
Já começou se rebelando contra
a patrulha que sofre porque se assumiu mulher, preta, gorda, pelada e desbocada. Cantou "todos
acham que falo demais", de costas, tal qual Angela Ro Ro fazia e
faria pelo bolerão de Tom Jobim.
"Sofro de censura, sabe?", fez
piada, nervosíssima. Brincava,
mas falava sério. Pai Gilberto andou pedindo que ela emagrecesse
antes de ficar nua, tio Caetano não
achou as fotos tão bonitas assim,
o Brasil moralista caiu de raquetada por sobre sua fofa nudez.
Ávida de rebeldia, chorou pela
"mulher que a gente ama" no soul
do gordão Tim Maia "Me Dê Motivo". Era indício para uma sessão
abertamente lésbica, com "Namoradinha de um Amigo Meu"
(de Roberto Carlos, mas toda vertida para o feminino), "Qual É,
Baiana?" (de Caetano), "Eu me
Rendo" (de Fábio Jr., "onde é que
foi parar aquela menina/ que me
esquentava quase toda noite?").
"Vamos parar de falar de mulher, vão pensar que sou obcecada", disparou. Mulher, negra,
gorda, desbocada, bissexual
-Preta bole sem parar com o
preconceito. Os cabelos amarelos
escorridos davam a pista: além de
falsa lisa e falsa loira, Preta é falsa
fútil. Apesar da fachada tipo Kelly
Key, Sandy e axé, só fala de temas
importantes, o tempo todo.
Explicou que o (inteligentíssimo) cenário de plástico, assinado
por ela, era imitado. "Não é assim
que todos fazem?", perguntou, de
novo fazendo lembrar Maria Rita,
no contrapé. Contou que quando
era pequena chegou a achar que
não era filha de seus pais. Disse-se
preta, índia, branca, amarela.
"Tudo truque", entregou, após
perguntar se era hora de enrolar
para dar tempo de os músicos trocarem instrumentos. Tudo truque. É a nossa Britney, a nossa
Pink, a nossa Peaches, a nossa
Miss Kittin, a nossa Kelly Osbourne. A nossa Leila Diniz.
Filiava-se assim ao desmonte do
ilusionismo nacional, já operado
por Gilberto Braga em "Celebridade", por Guel Arraes em "Cena
Aberta".
Apesar de pertencer alegremente a um esquema viciado, parecia
de extrema esquerda ao cantar
absurdos e falar bobagens.
Estava nua o tempo todo, e a
contradição também era falsa. A
inteligência recobre mesmo os
frutos tropicalistas que se temem
(ou se fingem de) tolos.
Sob forte impulso de vida, diluiu o axé chique do álbum de estréia num inventário da canção
brasileira da geração de seus pais:
Donato, Caetano, Gonzaguinha,
Sullivan & Massadas, Hyldon, Gil
("Palco"), Maria Bethânia, Fábio
Jr. Deu liga? Não? Pois é. Deu, sim.
Com a Rita Lee de "Saúde" e a
Baby Consuelo de "Ele Mexe Comigo", conseguiu os melhores
momentos de identidade sexual e
musical, de entrosamento de banda. Com "Marrom Bombom" e
"Me Dê Motivo", uniu tropicália
com samba e com soul, waal.
Como é novinha e estava nervosa demais, leva só dez mangos por
ora. Mas, aviso aos navegantes,
moça Preta é figura interessantíssima para o Brasil de 2004.
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