São Paulo, sábado, 21 de novembro de 1998

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A nova "Bíblia"


especial para a Folha

Até o começo desta década, o inglês Jamie Byng, 29 anos, não sabia se continuava tocando uma casa noturna que tinha em Edimburgo ou se dedicava mais à editora onde trabalhava. Fez a segunda opção, comprou a Canongate e a transformou no nome mais respeitado da literatura alternativa britânica.
Byng falou com à Folha por telefone de Edimburgo, na Escócia, onde foi morar para fazer universidade e decidiu nunca mais sair.
(DENISE BOBADILHA)


Folha - Como surgiu a idéia de "tocar" editorialmente na "Bíblia"?
Jamie Byng -
Em dezembro de 96, um velho amigo sem experiência em publicações me ligou e perguntou por que ninguém havia pensado em quebrar a "Bíblia" em cadernos antes. Vi que isso era uma ótima idéia, mas eu sugeri introduções para cada livro, o que seria crucial para apresentar a "Bíblia" como um trabalho literário e não um texto religioso.
Escolhemos pessoas do meio literário para cada introdução e não gente com compromisso religioso.
Folha - Há uma grande mistura entre os colaboradores responsáveis por cada introdução, mas quase todos são escritores de ficção. A escolha deles foi sua?
Byng -
Foi parte minha e parte de uma editora que veio trabalhar conosco especialmente para esse projeto, Claire Paterson.
Folha - Você é religioso?
Byng -
Não de uma maneira convencional. Eu não vou à igreja, eu não acho que a "Bíblia" seja a palavra de Deus. Eu tenho crenças espirituais, mas elas não passam por Cristo, generalizações ou morais filosóficas. Não sou ligado a nenhuma organização religiosa, sou um tipo de humanista. De certa forma, eu aprecio a dimensão espiritual da vida.
Folha - De que forma você lê a "Bíblia" hoje, como editor, em relação ao seu primeiro contato com ela, na infância?
Byng -
É estranho. É um livro e, mesmo que você não goste dele, você sabe da sua existência desde muito cedo em sua vida, porque está enraizado na nossa cultura, é ensinado na escola, na imprensa, indo ou não à igreja aos domingos. Não há um questionamento se você deve gostar da "Bíblia" -por essa imposição na sociedade, pouca gente reage contra ela. Todos são forçados a ter contato com a "Bíblia" desde muito cedo na vida.
Folha - Há, portanto, um receio de que a série possa causar uma certa indiferença?
Byng -
O incentivo por trás dessa série que estamos lançando é tentar mostrar às pessoas um outro lado da "Bíblia", que elas conhecem desde sempre, mas não como gostariam. É necessário ver com novos olhos. Não é apenas um texto religioso, e sim um maravilhoso conjunto de ensinamentos, filosofia e poesia em forma de histórias contadas. Da maneira como estamos publicando (a "Bíblia"), colocando em pequenos livros, num formato pequeno, com opiniões de personalidades literárias, nós oferecemos um fim a cada livro para ajudar as pessoas a ler mesmo cada um deles. É uma ajuda ao leitor moderno para que ele realmente leia esse texto.
Folha - A recepção do público foi positiva?
Byng -
Foi predominantemente muito positiva. Apenas duas resenhas foram críticas demais quanto à escolha dos escritores que fizeram as introduções. Mas 90% das resenhas e críticas chamaram nossa série de maravilhosa. O formato, a edição gráfica, as introduções, tudo muito provocante e de fácil leitura.
Folha - E Will Self dizendo "fucking" na introdução...
Byng -
Will Self escreveu um texto fantástico. E temos Richard Holloway, o bispo de Edimburgo, que é um dos mais insanos e inteligentes homens da igreja no Reino Unido, com um lindo texto. Todas essas pessoas são de diferentes backgrounds, provocando uma mistura maravilhosa.
Folha - Como a igreja reagiu a esse conjunto de colaboradores?
Byng -
A única repercussão seriamente negativa tivemos de um pequeno grupo ultraconservador e fundamentalista de cristãos que chamou todo o projeto de blasfêmia, desrespeitoso à palavra de Deus. Considerando a minoria que eles são, conseguiram fazer muito barulho.
Folha - A Canongate ficou famosa por lançar nomes escoceses na literatura britânica, mas só recentemente. Qual o papel dela no mercado atual?
Byng -
A Canongate fui fundada em 1973 e passou por três diferentes donos. Eu a comprei em outubro de 1994 e, portanto, ela tem sido uma editora com caráter independente há quatro anos.
No mercado editorial, ela se firmou por lançar novos e excelentes nomes da literatura recente, não só do Reino Unido, mas de uma gama bem ampla de escritores de todo o mundo. E nós editamos uma revista chamada "Rebel Inc.", que lançou grandes nomes contemporâneos da literatura britânica como Irvine Welsh, Alan Warner e John King, para ficar entre alguns.



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