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LIVRO LANÇAMENTO
Foi o 'seu' Cabral?
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
"Quem foi que
descobriu o Brasil? Foi "seu' Cabral...", já se
cantou em versos em muitos
carnavais. Mas
foi "seu" Cabral?
Ou foi "seu" Pinzón?
Perto do aniversário de 500 anos
do descobrimento, ainda não se
sabe ao certo quem descobriu o
Brasil -se é que se pode usar o
verbo "descobrir" para narrar a
chegada de europeus a uma terra
habitada por 4 milhões de nativos.
Num épico envolto em segredos
e espionagens, já se falou que o navegador Duarte Pacheco Pereira,
numa missão secreta enviada pelo
rei de Portugal, dom Manoel 1º, teria aportado na Amazônia em
1498, dois anos antes de Pedro Álvares Cabral -que chegou em 22
de abril de 1500.
Nunca foi provado se Duarte Pacheco chegou a terras brasileiras
ou "descobriu" o litoral das Guianas. Era a palavra do navegador
contra a de outros. É quase certo
que Pacheco tenha descoberto terras espanholas, segundo o Tratado
de Tordesilhas (assinado em 1494 e
que dividiu as terras do Novo
Mundo entre Portugal e Espanha).
É certo, hoje em dia, que Cabral,
com sua "pequena" frota de 13 naves e 1.500 homens, tinha informações sobre o Brasil e desviou sua
rota propositalmente, pois sabia o
que iria encontrar. Como se não
bastasse, mais um intruso aparece
para difamar a primazia de "seu"
Cabral. Um, não. Dois.
O jornalista Eduardo Bueno, 40,
acaba de publicar o livro "Náufragos, Traficantes e Degredados",
em que aponta que dois navegantes espanhóis, Vicente Yañez Pinzón e Diego de Lepe, estiveram em
terras brasileiras em janeiro e fevereiro de 1500 -um par de meses
antes de Cabral.
O livro, que trata dos 30 primeiros anos do Brasil, é parte da coleção Terra Brasilis, publicada pela
Objetiva. O primeiro volume da
coleção é "A Viagem do Descobrimento", também de Bueno.
"Há 14 anos que pesquiso esse tema. Tenho uma coleção de 7.000 livros. O descobrimento foi uma
grande aventura. Os indícios da
viagem de Duarte Pacheco e de
Pinzón estão na coleção "História
da Colonização Portuguesa no
Brasil"', diz Bueno.
Segundo o jornalista, Pinzón -que acompanhara Cristóvão Colombo
na primeira expedição ao Caribe-
chegou em 26 de
janeiro de 1500 à
ponta de Mucuripe (10 km ao sul
de Fortaleza).
Pinzón desembarcou no território dos agressivos índios potiguar.
A recepção não foi das melhores.
"Mataram oito dos nossos com setas e dardos e mal houve um que
não tivesse sido ferido", narrou o
navegador, ainda em 1500, ao historiador italiano Piero Martir de
Anghiera -documento que consta do livro de Bueno.
"Nossa história é também contada por historiadores portugueses,
que são muito lusófilos e nunca admitiam a chegada dos espanhóis.
Essa discussão é embevecida de
patriotismo. Comecei a consultar
fontes mais isentas. Pinzón é um
personagem fabuloso. Capistrano
de Abreu também defendia que os
espanhóis chegaram antes", afirma Bueno.
Pinzón deixou uma cruz no litoral do Ceará e, em fevereiro de
1500, entrou no rio Amazonas. Foi
quando seu primo, Diego de Lepe,
outro capitão espanhol, chegou
com sua frota, nos primeiros dias
de fevereiro de 1500, ao cabo de
Santo Agostinho (PE). Lepe teria
visto a cruz deixada por Pinzón.
Ambos sabiam que estavam em
terras de Portugal, de acordo com
Tordesilhas.
"Os espanhóis não tiveram a sorte de Cabral. Chegaram a uma costa terrível, pantanosa, onde viviam
as tribos mais ferozes. Chegaram e
foram embora. Cabral fincou a
cruz, mandou rezar a missa e despachou a carta a Portugal, pedindo
que enviassem outra expedição",
completa Bueno.
O almirante Max Justo Guedes,
71, diretor do Patrimônio Histórico e Cultural da Marinha, diz que a
viagem de Pinzón é documentada
e prova sua chegada ao Brasil antes
de Cabral. "As primeiras referências ao Brasil aparecem nas cartas
de Juan de la Cosa, navegador de
Pinzón, e nos mapas que, sobrepostos, dão a localidade exata da
chegada do espanhol", diz Guedes.
Segundo ele, tais documentos,
que se encontram no Arquivo das
Índias, em Sevilha, são resultado
de uma disputa judicial entre os
herdeiros de Colombo e a coroa espanhola. Na investigação do século 16, navegantes e testemunhas foram ouvidos. Foi quando se tornou pública a viagem de Pinzón.
"Sobre Duarte Pacheco, temos a
palavra dele. Sobre Pinzón, temos
relatos detalhados da viagem, os
dias de navegação, testemunhos e
mapas de viagem perfeitamente
reconstituíveis pelos navegantes."
²
Livro: Náufragos, Traficantes e Degredados
Autor: Eduardo Bueno
Lançamento: Objetiva
Quanto: R$ 17,50 (200 págs.)
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