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São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2003

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TELEVISÃO

Ex-diretor da Globo, Luiz Eduardo Borgerth relata em livro casos de pressões sofridas pela emissora nos anos 70

Militares tentaram até encurtar novelas

DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

O governo de Ernesto Geisel (1974-79) tentou reduzir a duração das telenovelas, de até mais de 300 capítulos na época, para no máximo 70 episódios. A revelação é do advogado Luiz Eduardo Borgerth, 71, no livro "Quem e Como Fizemos a TV Globo" (editora A Girafa, R$ 38, 247 págs.).
Borgerth foi entre 1967 e 2000 o principal executivo de relações institucionais da Globo, período pelo qual "dificilmente alguma legislação de radiodifusão foi discutida" sem que ele fosse consultado. Entre 2001 e o início deste ano, foi consultor do SBT.
O ex-diretor da Globo levanta algumas hipóteses sobre o que estaria por trás da "pressão do Planalto" por novelas mais curtas. Uma delas seria o pedido de "alguma esposa altamente colocada na hierarquia militar", que não suportava esperar um ano para ver o desfecho das tramas. Outra, de que menos capítulos facilitaria o trabalho dos censores.
"Naquela época, havia uma crítica muito grande quanto à duração das novelas. Uma idéia que os militares tinham, em benefício do país, era reduzir as novelas", disse Borgerth à Folha.
O fato é que Borgerth acabou marcando uma audiência com o general Hugo Abreu, então chefe da Casa Militar do governo federal. Logo no início da conversa, o diretor da Globo foi interrompido. "Não se preocupe, ninguém vai fazer nada contra a televisão. Minha irmã está nos Estados Unidos e me disse que a televisão brasileira não tem nada a dever à americana; nossas novelas são melhores do que as deles. Deixa comigo", teria dito Abreu, de acordo com "Quem e Como Fizemos a TV Globo".
O livro, lançado na semana passada, é uma obra memorialista. Não tem compromisso com a precisão de datas, por exemplo. Mais do que relatar casos de censura e curiosidades sobre o regime militar, se presta a homenagear os principais profissionais que ajudaram a formar e a consolidar a TV Globo, entre 1965 e início dos anos 70, numa época em que os recursos eram mínimos.
Borgerth organizou o livro como os créditos de uma novela, com verbetes sobre os personagens. Os "protagonistas" são o fundador da Globo, Roberto Marinho, Walter Clark (que "moralizou" o departamento comercial e iniciou uma gestão profissional), José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni (que implantou o modelo de programação vigente até hoje), e Joe Wallach, o norte-americano enviado pela Time-Life para acompanhar os investimentos que o grupo fez na Globo, tendo apenas imóveis como garantias.
A participação da Time-Life na implantação da Globo gerou muito barulho, até uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). Uma campanha foi liderada por João Calmon, dos Diários Associados, grupo ao qual pertencia a TV Tupi. Em tom de ironia, Calmon é "homenageado" no livro de Borgerth. Ele aparece como personagem no capítulo "Extras".
Borgerth diz que a campanha de Calmon ajudou a divulgar a Globo, então lanterna nos índices de audiência. Afirma que Roberto Marinho deve a ele o fato de os militares terem, em 1967, tornado claro que não era permitida a associação com estrangeiros em empresas de comunicação.
Assim, Marinho se livrou dos norte-americanos, que investiram pouco mais de US$ 5 milhões na Globo. O investimento, segundo Borgerth, foi devolvido sem juros. Para Borgerth, tanto a associação como o rompimento com a Time-Life, foram lances de "sorte" para Roberto Marinho, um homem de "sorte grande".
Borgerth não economiza adjetivos para definir os principais personagens do livro. Roberto Marinho, além de sortudo, era "educadíssimo, amável, afável". Walter Clark era "catalisador de talentos", "impecável". Boni não era apenas perfeccionista. "Para ele não existia o melhor possível, porque se é possível que exista algo melhor, então não é o melhor possível", afirma no livro.


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