São Paulo, segunda-feira, 22 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA

Arnaldo Carrilho, 63, vem de Bancoc, onde mora, para substituir João Batista Athayde na presidência da Riofilme

Presidente defende "pensamento e ação"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Antes de assumir oficialmente a presidência da Riofilme, o embaixador Arnaldo Carrilho, 63, precisa se despedir de quatro chefes de Estado (os do Camboja, Laos, Mianmar e Tailândia, junto aos quais representa o governo brasileiro) e três primeiros-ministros.
O protocolo de remoção do embaixador brasileiro deve alargar a interinidade na principal distribuidora de filmes nacionais, hoje a cargo do assessor João Batista Athayde.
Mas de Bancoc, onde mora -e de onde conversou com a Folha-, Carrilho já articula as ações que pretendem injetar fôlego sobretudo no cinema carioca. Está em contato com representantes da política cinematográfica nos governos estadual e federal e diz que não vê "como produzir, distribuir e exibir imagens sem a presença normatizante e financeira do poder público".

Folha - Qual deverá ser o perfil da Riofilme em sua gestão?
Arnaldo Carrilho -
Não creio que sejam necessárias grandes mudanças. Vou suceder a um amigo de várias décadas, o José Carlos Avellar, companheiro de lutas pela afirmação de um cinema brasileiro de pensamento e ação.
Pretendo manter contatos estreitos com o Avellar, sobretudo porque ele se encarrega agora da estruturação de um sistema estadual de incentivo ao cinema fluminense.
Ora, o Rio é parte do Estado, o que me leva a propor um trabalho complementar com o órgão de fomento sob sua direção.

Folha - Será dada prioridade total ao cinema carioca?
Carrilho -
Quero me aproximar muito do pessoal de Fortaleza, dos documentaristas e curtas-metragistas do resto do Nordeste, de Minas Gerais, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul.
Devemos começar com urgência um "municipalismo de imagem e de som" porque se trata de assunto mais próximo das comunidades: não conheço nenhum caso de cinema federal.
Em São Paulo, tenho velhas amizades e acredito em mecanismos de co-produção nacional. Mas, evidente, o compromisso básico da Riofilme é com o cinema carioca.

Folha - O que significa o "cinema brasileiro de pensamento e ação"?
Carrilho -
O cinema de pensamento e ação não implica engajamento ideológico. O cinema novo era equivocadamente visto por meio desse ângulo pela burguesia. Nossos filmes destacavam-se pelas denúncias de males seculares da nossa sociedade.
Eles permanecem, infelizmente, porque a classe dominante é indiferente às mazelas do povo. É cafona e provinciana, agressiva.
Os comunistas brasileiros não apreciavam o cinema novo. Eles nunca foram democráticos, pois também eram fruto de uma sociedade autoritária (daí a presença militar no partido).
Não proponho um gênero qualquer de cinema. Sou contra o cinema "digestivo", mais ainda, o "tarado-violento" dos enlatados "action-moving" americanos. As más qualidades de um filme se denotam em qualquer plano.

Folha - Como o sr. avalia a condição atual do cinema nacional nos aspectos de produção, distribuição e exibição?
Carrilho -
O ponto crucial do cinema brasileiro está na distribuição. Não adianta produzir se não se consegue distribuir. A Embrafilme teve sucesso porque distribuía, chegando a 35% anuais médios do mercado para nossas produções. Quando Fernando Collor e Ipojuca Pontes a desmontaram, tudo veio abaixo.
A empresa tinha defeitos: burocracia especiosa, folha de pagamento sobrecarregada, sabotagens nos escalões intermediários a cargo de "emissários" de grupos em disputa etc.. Em vez de colocá-la em ordem, o governo preferiu fechá-la, sintoma de incompetência executiva.
Já tenho em mãos os pré-relatórios do Gedic/MinC (grupo executivo de instalação de uma indústria cinematográfica no país, criado por decreto, no ano passado, pelo presidente da República), os quais todos esperamos resultem num documento básico que sirva como diretriz da imprescindível agência reguladora da atividade audiovisual entre nós.
Não vejo como produzir, distribuir e exibir imagens sem a presença normatizante e financeira do poder público.
O universo audiovisual tornou-se anglo-saxônico porque as outras culturas não estavam preparadas para impor seus produtos. Insistiam na industrialização da atividade, perdendo em vantagens competitivas.

Folha - A que modelo deveria obedecer essa agência reguladora da atividade audiovisual?
Carrilho -
Penso que a agência a ser criada deva supervisionar técnica e profissionalmente a utilização dos fundos criados pelas leis de incentivos fiscal (Rouanet e do Audiovisual). Como os recursos não dão para cobrir todos os projetos, há que concursá-los transparentemente.
O modelo dessa agência obedeceria ao das outras já criadas pelo governo e seus funcionários (poucos) com experiência na parte mais saudável do ramo.
Ela não produziria nem distribuiria. Parte dos seus recursos seria aplicada na restauração e arquivologia de filmes nacionais, em convênios com as cinematecas locais.

Folha - Vivendo há 32 anos fora do país, como o sr. se manteve atualizado em relação à produção cinematográfica brasileira?
Carrilho -
Porque o barão do Rio Branco nos ensinou como viver intensamente dentro do Brasil fora dele.


Texto Anterior: Exposição: Paris apresenta panorama da vida e da obra da atriz Sarah Berhnardt
Próximo Texto: Secretário anuncia mudança no PIC-TV
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.