UOL


São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

"Big Brother" é versão fútil do cotidiano

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Difícil aguentar mais um "Big Brother Brasil" (exibido diariamente pela Globo). Os mesmos tipos -jovens bonitos, aspirantes a uma carreira em algum ramo do mundo do espetáculo- se dedicam à árdua tarefa de entreter sem substância.
Na ausência de trama articulada em roteiro de autor, os personagens de si mesmos, parecidos, se dedicam à mais reles versão de cotidiano fútil: quem vai dormir com quem, quem vai namorar quem, quem será eliminado.
A estrutura de gincana procura compensar a ausência de roteiro, forçando algum parco drama. E como no fogo de conselho dos acampamentos adolescentes, haja lágrimas.
Não é só roteiro que falta. Falta movimento de câmera e cuidado com o som. O formato indiscreto das câmeras ocultas inibe o desenvolvimento de qualidade mínima de imagem e som. Muitas vezes não é possível ouvir o cochichar dos personagens.
Pensando assim, o formato mais parece uma corruptela das piores versões de ficção seriada. É como se recebêssemos de volta o que sobra em cada telespectador da repetição contínua de um repertório que apequena e carrega de ansiedade as relações humanas e, principalmente, as relações amorosas.
Alguns lances são dignos do melodrama. Um dos personagens dessa terceira edição do "reality show" conta para os amigos/inimigos com quem convive na casa fechada, e portanto também para os telespectadores, que sua família -pai, mãe e um irmão- se reuniu pela primeira vez em 14 anos no "Big Brother".
O que faz o aceno da fama. A fama já não é mais, como era nos tempos de Maquiavel, associada à maior ou menor habilidade dos que têm sangue azul. Ela também não está restrita ao universo dos políticos ou sábios profissionais.
A fama parece estar ao alcance da mão de quem se empenhar nas artes da representação. Para quem ainda sintoniza no programa seduzido por essa possibilidade, vale lembrar que a via é instável e arbitrária.
O consolo é que o formato pega cada vez menos. Resta entender porque a Globo decidiu empurrar para mais tarde a outra "casa" em exibição na emissora, a das sete mulheres, cujos índices de audiência surpreendem.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


Texto Anterior: Desenho: Caricaturista Albert Hirschfeld morre aos 99
Próximo Texto: Marcelo Coelho: Rembrandt, Genet e o homem do bigode encardido
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.