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"ADÃO NO PARAÍSO E OUTROS ENSAIOS"
Volume reúne textos do filósofo publicados pela primeira vez em português
Ensaios expõem originalidade de Ortega y Gasset
Reprodução
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"As Banhistas", de Cézanne |
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
"Adão no Paraíso e Outros Ensaios", do espanhol
José Ortega y Gasset (1883-1955),
reúne três textos de estética publicados em jornal, entre 1910 e 1924.
O primeiro, que dá título ao livro,
põe por terra os dualismos ingênuos (como a oposição ente realismo e idealismo) que ainda hoje
por vezes limitam a visão dos espectadores e obscurecem as idéias
dos artistas.
Com uma linguagem clara e direta, o pensador espanhol aproveita para afastar as ilusões mais
rasteiras dos que confiam demais
na espontaneidade do próprio
gosto: "O profano se coloca diante
de uma obra de arte sem preconceitos, mas esta também é a postura de um orangotango. Sem preconceitos não se podem formar
juízos".
Em poucos parágrafos, Ortega y
Gasset derruba os alicerces hipócritas de quem defende, como sinônimo de maior autenticidade, o
naturalismo, o populismo e o imediatismo. Toda cultura é artifício,
resultado de uma cadeia de idéias,
práticas, pontos de vista e tomadas
de posição. Não há diferença entre
realismo e idealismo, pois o realismo já é um idealismo.
Se por um lado o ensaísta reconhece os limites da teoria que reduz a arte a conceitos, por outro se
recusa a abrir mão de um pensamento que esclareça a origem das
suas emoções diante das obras. É o
que faz dele um humanista: toma a
particularidade da sua experiência
e do seu gosto, como homem mediterrâneo e espanhol, para criar a
base da sua investigação estética,
mas não se deixa seduzir pela ilusão de uma espontaneidade irrefletida.
Ao contrário, valoriza o sentimento do homem diante da obra
sem descartar a reflexão que o
acompanha desde sempre. O
Adão do título, afinal, nada mais é
do que a metáfora da consciência e
da auto-reflexão: "Adão foi o primeiro ser que, vivendo, sentiu a si
mesmo viver. Para Adão a vida
existe como um problema". É o
que o diferencia do orangotango.
Não existe arte sem reflexão.
Ortega y Gasset analisa as coisas
em suas individualidades únicas e
irredutíveis. Para as ciências, as
coisas são casos particulares de
leis gerais. "Da tragédia da ciência
nasce a arte. Quando os métodos
científicos nos abandonam, começam os métodos artísticos". As artes são a parte do mistério. E o ensaísta vai defini-las pelo que há de
único e irredutível em cada uma:
uma arte que pode se expressar de
outra forma não é arte; o significado de um poema traduzido em
prosa já não é o poema.
O segundo ensaio, "A Arte deste
Mundo e do Outro", segue o mesmo raciocínio. Expõe as diferenças entre a estética do homem alemão, gótico, e a do homem mediterrâneo, materialista, avesso a tudo o que é transcendental. Ortega
y Gasset não está à procura de
uma estética ou de uma verdade
absolutas, mas daquela que responda às particularidades da sua
cultura e da sua experiência.
No último texto, "Sobre o Ponto
de Vista nas Artes", o ensaísta faz
uma análise evolutiva da história
da pintura ocidental. De Giotto
(1267-1337) a Cézanne (1839-1906), as representações revelariam a retração progressiva do
olhar. Inicialmente, muito próximo dos objetos, a ponto de não
conseguir produzir uma imagem
de conjunto, o olhar vai se afastando até se tornar intra-subjetivo. É
o que leva o autor a recusar qualquer afinidade pictórica entre
Giotto e Cézanne. Os dois estão
nos extremos opostos da história
da pintura ocidental.
Você pode até não concordar,
mas vai ser difícil não acompanhar com enorme prazer e interesse os argumentos de um homem
que, por ser inimigo das ilusões espontâneas e das generalizações,
não abre mão da sua independência e da sua originalidade de pensamento.
Adão no Paraíso e Outros
Ensaios
Autor: José Ortega y Gasset
Editora: Cortez Editora
Quanto: R$ 16 (120 págs.)
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