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São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 2003

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"ADÃO NO PARAÍSO E OUTROS ENSAIOS"

Volume reúne textos do filósofo publicados pela primeira vez em português

Ensaios expõem originalidade de Ortega y Gasset

Reprodução
"As Banhistas", de Cézanne


BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA

"Adão no Paraíso e Outros Ensaios", do espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), reúne três textos de estética publicados em jornal, entre 1910 e 1924. O primeiro, que dá título ao livro, põe por terra os dualismos ingênuos (como a oposição ente realismo e idealismo) que ainda hoje por vezes limitam a visão dos espectadores e obscurecem as idéias dos artistas.
Com uma linguagem clara e direta, o pensador espanhol aproveita para afastar as ilusões mais rasteiras dos que confiam demais na espontaneidade do próprio gosto: "O profano se coloca diante de uma obra de arte sem preconceitos, mas esta também é a postura de um orangotango. Sem preconceitos não se podem formar juízos".
Em poucos parágrafos, Ortega y Gasset derruba os alicerces hipócritas de quem defende, como sinônimo de maior autenticidade, o naturalismo, o populismo e o imediatismo. Toda cultura é artifício, resultado de uma cadeia de idéias, práticas, pontos de vista e tomadas de posição. Não há diferença entre realismo e idealismo, pois o realismo já é um idealismo.
Se por um lado o ensaísta reconhece os limites da teoria que reduz a arte a conceitos, por outro se recusa a abrir mão de um pensamento que esclareça a origem das suas emoções diante das obras. É o que faz dele um humanista: toma a particularidade da sua experiência e do seu gosto, como homem mediterrâneo e espanhol, para criar a base da sua investigação estética, mas não se deixa seduzir pela ilusão de uma espontaneidade irrefletida.
Ao contrário, valoriza o sentimento do homem diante da obra sem descartar a reflexão que o acompanha desde sempre. O Adão do título, afinal, nada mais é do que a metáfora da consciência e da auto-reflexão: "Adão foi o primeiro ser que, vivendo, sentiu a si mesmo viver. Para Adão a vida existe como um problema". É o que o diferencia do orangotango. Não existe arte sem reflexão.
Ortega y Gasset analisa as coisas em suas individualidades únicas e irredutíveis. Para as ciências, as coisas são casos particulares de leis gerais. "Da tragédia da ciência nasce a arte. Quando os métodos científicos nos abandonam, começam os métodos artísticos". As artes são a parte do mistério. E o ensaísta vai defini-las pelo que há de único e irredutível em cada uma: uma arte que pode se expressar de outra forma não é arte; o significado de um poema traduzido em prosa já não é o poema.
O segundo ensaio, "A Arte deste Mundo e do Outro", segue o mesmo raciocínio. Expõe as diferenças entre a estética do homem alemão, gótico, e a do homem mediterrâneo, materialista, avesso a tudo o que é transcendental. Ortega y Gasset não está à procura de uma estética ou de uma verdade absolutas, mas daquela que responda às particularidades da sua cultura e da sua experiência.
No último texto, "Sobre o Ponto de Vista nas Artes", o ensaísta faz uma análise evolutiva da história da pintura ocidental. De Giotto (1267-1337) a Cézanne (1839-1906), as representações revelariam a retração progressiva do olhar. Inicialmente, muito próximo dos objetos, a ponto de não conseguir produzir uma imagem de conjunto, o olhar vai se afastando até se tornar intra-subjetivo. É o que leva o autor a recusar qualquer afinidade pictórica entre Giotto e Cézanne. Os dois estão nos extremos opostos da história da pintura ocidental.
Você pode até não concordar, mas vai ser difícil não acompanhar com enorme prazer e interesse os argumentos de um homem que, por ser inimigo das ilusões espontâneas e das generalizações, não abre mão da sua independência e da sua originalidade de pensamento.


Adão no Paraíso e Outros Ensaios
    
Autor: José Ortega y Gasset
Editora: Cortez Editora
Quanto: R$ 16 (120 págs.)



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