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Crítica/ "Chéri"
Filme remonta época com rigor matemático
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
A trama de "Chéri" se desenrola entre duas imagens de um mesmo rosto. Na primeira, vemos uma foto antiga da face de Michelle
Pfeiffer tal como era em "Ligações Perigosas". Na final, a
atriz, agora na meia-idade, assume os efeitos do tempo. Entre as duas se encerra o núcleo
do cinema de Stephen Frears,
rico de obsessões com a decadência e a manipulação, com os
desencontros jamais fortuitos
entre o desejo e as paixões. Um
cinema moral, em suma.
A referência a "Ligações Perigosas" não é ocasional. Frears
sabe que pode ser acusado de
refazer o percurso que o alçou à
fama em 1988, com um universo semelhante de ciranda perversa sustentado por uma fascinante reconstituição da Paris
da belle époque, com figurinos
e cenários de tirar o fôlego.
Como o longa de 1988, o ponto de partida é um roteiro assinado pelo dramaturgo Christopher Hampton, que novamente
adapta um nome clássico da literatura francesa, a escritora
Colette, reunindo dois romances publicados nos anos 20,
"Chéri" e "O Fim de Chéri".
Mais que repetição de fórmula, no entanto, o que "Chéri"
demonstra é a fidelidade do diretor ao tema que move e dá interesse a seu trabalho. Seja na
França pré-revolucionária de
"Ligações Perigosas", seja na
corte britânica no final do século passado de "A Rainha" ou seja na Paris na passagem do século 19 para o 20 de "Chéri", o
que Frears busca não se resume a replicar hollywoodianamente uma época, mas demonstrar com rigor matemático como funciona o mecanismo
da confiança e seu avesso, a
traição.
Para isso, suas histórias não
se cansam de examinar a organização da maquinaria humana
a partir de individualidades que
se desejam ou se repugnam.
Em vez de se concentrar, como faria um melodrama, nas
reviravoltas da paixão entre o
personagem masculino que dá
título ao filme e a cortesã Lea
de Lonval, a trama se espalha
por outros vínculos, todos marcados pela infidelidade e pela
manipulação num sentido que
evoca diretamente "Os Imorais", obra-prima do diretor.
O principal se estabelece entre Lea e Madame Peloux, mãe
de Chéri e obstáculo maior ao
prazer dos amantes. A seleção de Kathy Bates para o papel dá
a noção de sua importância, feito de deliciosas ironias que o
distinguem da caricatura de
malvada. O outro será cumprido por Edmee, jovem esposa de
Chéri colocada no jogo em posição sempre submissa às vontades que a cercam. E há ainda
as astúcias de Marie Laure, mãe
de Edmee, eterna manipuladora de amantes.
Nesta ciranda, o par central
está longe de ser um retrato da
inocência. Da atração quase incestuosa do rapazinho pela cortesã madura ao modo como Lea
o seduz e depois se entrega aos
prazeres sexuais que ele lhe
proporciona e ao fascínio de
Chéri por pérolas e outras joias
do acervo da amante, "Chéri"
confirma como a lâmina de
Frears ainda não perdeu nada
do seu gume.
CHÉRI
Direção: Stephen Frears
Com: Michelle Pfeiffer, Kathy Bates,
Rupert Friend
Produção: Inglaterra/França, 2009
Onde: Bristol, Kinoplex Itaim, Jardim
Sul e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo
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