São Paulo, sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

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Crítica/ "Chéri"

Filme remonta época com rigor matemático

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

A trama de "Chéri" se desenrola entre duas imagens de um mesmo rosto. Na primeira, vemos uma foto antiga da face de Michelle Pfeiffer tal como era em "Ligações Perigosas". Na final, a atriz, agora na meia-idade, assume os efeitos do tempo. Entre as duas se encerra o núcleo do cinema de Stephen Frears, rico de obsessões com a decadência e a manipulação, com os desencontros jamais fortuitos entre o desejo e as paixões. Um cinema moral, em suma.
A referência a "Ligações Perigosas" não é ocasional. Frears sabe que pode ser acusado de refazer o percurso que o alçou à fama em 1988, com um universo semelhante de ciranda perversa sustentado por uma fascinante reconstituição da Paris da belle époque, com figurinos e cenários de tirar o fôlego.
Como o longa de 1988, o ponto de partida é um roteiro assinado pelo dramaturgo Christopher Hampton, que novamente adapta um nome clássico da literatura francesa, a escritora Colette, reunindo dois romances publicados nos anos 20, "Chéri" e "O Fim de Chéri".
Mais que repetição de fórmula, no entanto, o que "Chéri" demonstra é a fidelidade do diretor ao tema que move e dá interesse a seu trabalho. Seja na França pré-revolucionária de "Ligações Perigosas", seja na corte britânica no final do século passado de "A Rainha" ou seja na Paris na passagem do século 19 para o 20 de "Chéri", o que Frears busca não se resume a replicar hollywoodianamente uma época, mas demonstrar com rigor matemático como funciona o mecanismo da confiança e seu avesso, a traição.
Para isso, suas histórias não se cansam de examinar a organização da maquinaria humana a partir de individualidades que se desejam ou se repugnam.
Em vez de se concentrar, como faria um melodrama, nas reviravoltas da paixão entre o personagem masculino que dá título ao filme e a cortesã Lea de Lonval, a trama se espalha por outros vínculos, todos marcados pela infidelidade e pela manipulação num sentido que evoca diretamente "Os Imorais", obra-prima do diretor.
O principal se estabelece entre Lea e Madame Peloux, mãe de Chéri e obstáculo maior ao prazer dos amantes. A seleção de Kathy Bates para o papel dá a noção de sua importância, feito de deliciosas ironias que o distinguem da caricatura de malvada. O outro será cumprido por Edmee, jovem esposa de Chéri colocada no jogo em posição sempre submissa às vontades que a cercam. E há ainda as astúcias de Marie Laure, mãe de Edmee, eterna manipuladora de amantes.
Nesta ciranda, o par central está longe de ser um retrato da inocência. Da atração quase incestuosa do rapazinho pela cortesã madura ao modo como Lea o seduz e depois se entrega aos prazeres sexuais que ele lhe proporciona e ao fascínio de Chéri por pérolas e outras joias do acervo da amante, "Chéri" confirma como a lâmina de Frears ainda não perdeu nada do seu gume.


CHÉRI

Direção: Stephen Frears
Com: Michelle Pfeiffer, Kathy Bates, Rupert Friend
Produção: Inglaterra/França, 2009
Onde: Bristol, Kinoplex Itaim, Jardim Sul e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo



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