São Paulo, sexta, 22 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MORUMBIFASHION BRASIL
Gislaine sobe na passarela, mas não desfila

IVAN FINOTTI
da Reportagem Local

Vestindo uma calça corsário jeans com cintura baixa, tênis sportwear Rainha e top de lycra estampado com flores, Gislaine Gomes sobe na passarela. Mas não vai desfilar. Gislaine é uma das faxineiras do MorumbiFashion e se prepara para varrer o chão.
A moça faz parte de uma multidão de quase 1.500 pessoas que trabalha para fazer o principal evento de moda brasileira -ao custo anunciado de R$ 1,5 milhão- funcionar. Mil e quinhentos desconhecidos que têm também a sua moda particular, radicalmente diferente da exibida nos desfiles, que acabam hoje.
Gislaine, por exemplo, acha lindos os modelitos que atravessam a passarela. Diz até que gostaria de os usar. Mas, moradora de Francisco Morato -a 45 km ao norte de São Paulo, de onde leva 45 minutos de trem para chegar ao MorumbiFashion-, sabe que alta-costura e altos preços andam juntos, sempre de mãos dadas.
A peça mais barata do festejado desfile de terça-feira do estilista Fause Haten, por exemplo, uma camiseta cinza, custa R$ 59. A mais cara, um vestido rendado, não sai por menos de R$ 3.500.
Já o guarda-roupa da baiana Gislaine -nascida há 23 anos numa cidade chamada Morro do Chapéu-, se limita a exatas 16 peças de roupa.
"Tenho quatro calças jeans, oito miniblusas, três camisetas e um moleton para quando faz frio. Tenho também um tênis Rainha", conta. "A que eu mais gosto é uma calça que meu ex-namorado deu."
Agora solteira, ela sonha mesmo com calças Zoomp, camisetas Bad Boy e tênis Reebok. "Também queria me vestir com um estilo mais social, que nem aquela moça daquela novela antes dessa."
"Mas não dá para comprar. Mesmo assim, é ótimo trabalhar no MorumbiFashion. O pessoal que frequenta trata a gente bem."
²
Refresco

Se Gislaine tem 16 peças em seu guarda-roupa, a santista Ana Flávia Camargo, 20, guarda mais de 100 miniblusas nas suas gavetas.
No MorumbiFashion, serve refrescos para aliviar o calor, mas nem por isso está livre de uma quente camiseta preta da Arisco.
Ex-estudante de direito, abandonou o curso no segundo ano para investir na carreira de atriz. Conseguiu um papel no último capítulo da novela "Estrela de Fogo", da Record, apareceu de biquíni em um comercial de cerveja e é modelo da Mega. Sua maior curtição é a coleção de miniblusas apertadas.
"Tenho mais de cem. Separo por cores e uso seis gavetões e mais uma prateleira só para elas." Há um mês, Ana Flávia percebeu que não tinha nenhuma vermelha. "Já comprei quatro", garante. Sua preferida é a azul-turquesa -são 15.
"Gosto dessa moda de alta-costura, mas só dá para usar em desfile. Prefiro mil vezes o básico. Meu estilo é simples. Jeans, tênis e blusinha. Camiseta e salto alto não", diz, enquanto tira um refresco de tangerina da máquina e o serve a um rapaz com cabelos completamente desgrenhados, de óculos escuros, usando roupa de skatista e, como acessório mais visível, um crachá da equipe técnica.
²
Street fashion

O rapaz é Camilo Bonfanti, 19, técnico de iluminação do evento, e seu cabelo não está assim porque tomou algum choque durante o desfile de Alexandre Herchcovitch, mas porque não corta há um ano e meio.
"Estava querendo fazer rasta, mas estou gostando dele assim", conta Camilo, dizendo não se importar com o que pensam de seu visual. "Tem gente que olha e dá risada, tira barato. Caguei. Não gostou, problema seu."
Por outro lado, o visual também atrai. "Às vezes, uma garota chega falando do estilo, perguntando das minhas roupas. Só aqui, aconteceu duas vezes. Não, não eram modelos. Eram meninas do shopping."
Dos desfiles, Camilo preferiu o da Zapping. "É moda mais street. É meu estilo. Sou skatista, rua mesmo." Não gosta da Zoomp nem da Fórum. "São muito jeans. Não me agrada. Nunca me senti bem com jeans", explica.
Além dos bermudões com correntes e cintos pendurados, Camilo tem outra mania: "Só uso meia branca. Pode ter um detalhe colorido, uma faixa, mas tem de ser branca. E só com tênis. Tenho quatro. Aliás, preciso comprar outro."
Camilo ilumina eventos desde os 14. Quer seguir a carreira do pai, um "light-designer". "É o cara que desenha a luz, faz o projeto. Eu sou o que mete a mão na massa."
²
Bem-vestido

Mão na massa é com o segurança Marcos Vandré Batista da Silva, 22, que, do alto de seu terno Pierre Cardin, tem de segurar continuamente uma multidão de descolados sem convite que tenta entrar na surdina.
Carioca, Marcos usa terno desde que entrou no quartel. Gostou do visual e não larga mais o estilo.
O fato de ser obrigado a trabalhar dessa forma facilita o suprimento de seu armário. "A firma ajuda na hora de comprar", diz.
E com o auxílio da empresa, esse elegante segurança compra gravatas, calças sociais e camisas da grife Toulon, além de manter os sapatos engraxados, brilhando.
"O pessoal aqui presta bastante atenção nessas coisas. Muitas senhoras me elogiaram hoje. Uma delas me disse: "Você está muito bem vestido. Pega aqui o cartão da minha loja. Espero você lá, hein?'."
²
Patricinha

Por fim, há o público. Segundo a organização, 5.000 pessoas passaram pelo MorumbiShopping e pelo pavilhão da Bienal do Ibirapuera a cada dia desta semana.
A estudante de administração Renata Queiroz, 18, estava entre elas, desfilando de óculos escuros, portando um vestido cor-de-rosa e caminhando sobre salto alto na entrada do Atrium do Morumbi Shopping na quarta-feira.
"Chamar a atenção por causa da roupa é sinônimo de estar over, por fora. Acho que não chamo a atenção. Passo um aspecto clean."
Talvez por causa de seu cerca de 1,80 m (contando o salto), o fato é que Renata, querendo ou não, despertava atenção sim.
A roupa que ela estava usando foi comprada na própria loja em que trabalha, a Mixed. "É uma marca nada chegada ao fashion", explica. "É um estilo mais patricinha."
Coincidentemente, estava acompanhada da empresária e socialite Marina de Sabrit, mãe do maior ícone das patricinhas brasileiras, a atriz Patrícia de Sabrit. "Namoro o irmão da Patrícia, o Stephan de Sabrit", esclareceu Renata.
"Cada um tem a sua personalidade. O meu estilo eu definiria como casual chic. Não consigo vestir fa- shion. Na faculdade, uso sempre jeans e camiseta, uma sandália, às vezes, uma regata preta."



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.