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CINEMA/ESTRÉIAS
"UM AMOR DE BORGES"
Cineasta se perde ao tentar "humanizar" e mostrar lado romântico do escritor argentino
Torre cria perso nagem biogr áfico carica to
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Ele passou a vida entre os livros, utilizou sua grande erudição e a cegueira progressiva de
que foi vítima a serviço de sua ficção. Também amou de forma incondicional a cidade em que nasceu, Buenos Aires, e tinha idéias
políticas e moral conservadoras.
Estes são alguns aspectos bastante conhecidos da biografia do
argentino Jorge Luis Borges
(1899-1986), um dos mais importantes autores latino-americanos,
retratado no longa "Um Amor de
Borges", que estréia hoje.
Por um lado, o filme exacerba
essas características do escritor, a
ponto de transformá-lo num personagem caricato e artificial. Por
outro, o diretor Javier Torre falha
no que parece ser seu intuito principal: o de mostrar um lado mais
"humano" e romântico do autor.
A história se passa em 1944,
quando Borges tem 45 anos e trabalha numa biblioteca municipal.
Conhece então Estela Canto, uma
jovem que se dedica a um programa de rádio e faz traduções.
Os dois se apaixonam, mas logo
fica claro o abismo que existe entre ambos. Ela é uma jovem de esquerda, idealista, usa calças compridas e prega o sexo livre. Ele tem
uma vida reclusa, controlada pela
mãe e por rígidos valores morais.
O filme é baseado no livro "Borges a Contraluz", escrito e publicado por Estela depois da morte
do escritor. Borges aparece como
um indivíduo completamente
inábil para a vida em sociedade,
vacilante ao falar em público, dominado pelas mulheres à sua volta e ingênuo no amor. Na Argentina, a produção foi criticada por
mostrar Borges como lunático.
O autor retratado no filme já teria passado por sua fase européia
-entre os anos de 1914 e 1921, em
que toma contato com as vanguardas e a filosofia- e sua fase
"regional" -em que volta à Argentina e redescobre sua cidade
natal em livros como "Fervor de
Buenos Aires" (1923). Cronologicamente, portanto, em "Um
Amor de Borges" encontraríamos
o autor em sua fase mais "labiríntica" e voltada ao fantástico, que
originou livros como "História
Universal da Infâmia" (1935) e
"Ficções" (1944).
O que, portanto, poderia haver
de mais interessante neste recorte
biográfico seriam os bastidores da
criação de "O Aleph", em que
Borges investiga um ponto onde
se encontrariam todos os lugares
do mundo. Este é um dos textos
mais importantes da obra do argentino e foi dedicado a Estela.
No filme, entretanto, a concepção de "O Aleph" aparece descontextualizada da trajetória intelectual do autor. O caminho de suas
leituras vira um amontoado de citações desconexas, reduzidas a
galanteios que dirige a Estela.
Torre poderia ter feito um excelente filme apenas pelo período da
vida de Borges que escolheu. Perdeu uma grande oportunidade.
Um Amor de Borges
Un Amor de Borges
Direção: Javier Torre
Produção: Argentina, 1999
Com: Jean Pierre Noher, Inés Sastre
Quando: a partir de hoje no Cineclube
DirecTV
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