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EXTINÇÃO DE SOLARIS
Escritor afirma que, mesmo para o gênero da ficção científica, o mundo ficou rápido demais
"Meus livros irão desaparecer", diz Lem
DA REPORTAGEM LOCAL
Após se recusar a dar "qualquer
tipo" de entrevista devido aos cuidados com a saúde, Stanislaw
Lem, 81, concordou em responder, por e-mail, a uma ou duas
perguntas da Folha.
Ao falar de "Solaris" e de seu legado à ficção científica, o autor se
empolgou e, de sua casa na Cracóvia, Polônia, concedeu a seguinte
entrevista.
(IVAN FINOTTI)
Folha - Pode-se dizer que um dos
temas de "Solaris" é a idéia de que
jamais conseguiremos nos comunicar com um alienígena?
Stanislaw Lem - Eu não me envolvo na interpretação de meus livros; deixo essa tarefa para o leitor. E eu nunca me sentei na minha mesa de escrever com um
plano completo para o livro inteiro. O último capítulo de "Solaris"
foi escrito após uma parada de
um ano. Eu tive que deixar o livro
de lado, já que não sabia o que fazer com meu herói. Hoje, eu nem
mesmo me lembro a razão de não
conseguir terminá-lo por tanto
tempo...
Folha - Quais suas lembranças daquele momento?
Lem - Só me lembro que a primeira parte foi escrita num jato,
com fluência e facilidade, enquanto a segunda foi terminada,
depois de um longo tempo, em
um dia de sorte. O fato é que eu
não tenho um retrato final da
obra toda. Quando eu guio Kelvin
pela estação de Solaris e o faço encontrar o assustado e bêbado
Snaut, eu não sabia o que estava
deixando Snaut ansioso. Eu não
tinha idéia de por que Snaut estava tão assustado com um estranho completamente inocente.
Naquela hora, eu não sabia, mas
logo eu descobriria, porque eu
continuei escrevendo.
Folha - Há mais de dez anos o sr.
não escreve ficção. Por quê?
Lem - Em 1989, parei de escrever
ficção. Apesar de ter várias idéias
para novos projetos, cheguei à
conclusão de que não seria conveniente fazer uso delas em face da
nova situação mundial. A materialização de alguns de meus conceitos (isto é, a transformação do
fantasmagórico em realidade) paradoxalmente se transformou em
um obstáculo para o favorecimento da ficção científica.
Folha - O que mudou na prática?
Lem - Agora eu estou cada vez
mais consciente do fato de que
não sei nada. Não sou nem capaz
de me familiarizar com todas as
novas teorias científicas. Às vezes,
tenho a impressão que as universidades crescem num grau mais
rápido que o próprio universo enquanto os professores se multiplicam de forma ainda mais rápida.
De dois em dois anos, cada um
deles tem que publicar um novo
livro (obviamente descrevendo
uma nova teoria). Idéias malucas
não são incomuns nas ciências,
mas quem lerá todos esses livros?
Quem irá separar o nonsense daquilo que tem valor? Quem colocará tudo isso junto numa perspectiva correta?
Folha - Quem?
Lem - Deve haver alguns gênios
por aí, mas eu não sou mais capaz
de reconhecê-los. Não acredito
mais, mesmo que tentasse gritar o
mais alto possível, que eu possa
mudar alguma coisa. Esse crescimento exponencial não vai parar.
E daí, já que meus livros foram
traduzidos para 40 línguas e venderam 27 milhões de exemplares?
Eles irão todos desaparecer, já que
enxurradas de novos livros estão
inundando tudo, arrastando tudo
o que foi escrito antes. Hoje, um
livro numa livraria não tem nem
tempo de pegar um pó. É verdade
que atualmente vivemos mais,
mas a vida de todas as coisas ao
nosso redor ficou bem menor. O
mundo está morrendo tão rapidamente que não é mais possível
se acostumar a nada.
Folha - Muitas pessoas conhecem
seu trabalho por causa das adaptações cinematográficas. O sr. concorda? O que pensa disso?
Lem - Só recentemente Hollywood "descobriu" meus livros.
Por isso, seria difícil falar sobre
qualquer influência séria das
adaptações cinematográficas na
recepção ao meu trabalho. Fora o
"Solaris" de Tarkovsky, o filme de
Soderbergh foi a primeira adaptação de grande orçamento de um
dos meus trabalhos.
Folha - Na ocasião do lançamento
de "Solaris" de Tarkovsky, o sr. criticou o filme. O sr. não gosta da
adaptação? Por quê?
Lem - Eu definitivamente não
gostei do "Solaris" de Tarkovsky.
Ele e eu diferimos profundamente
em nossa percepção do romance.
Enquanto eu imaginava que o final do livro sugeria que Kelvin esperava encontrar algo extraordinário no universo, Tarkovsky tentou criar a visão de um cosmos
desagradável, seguida pela conclusão de que se deveria voltar
imediatamente para a Mãe Terra.
Estávamos como um par de cavalos arreados, cada um puxando a
carroça na direção oposta.
Folha - E que tal o filme de Soderbergh? Quais os pontos positivos e
negativos da obra?
Lem - Apesar de admitir que a
visão de Soderbergh não é destituída de ambição, elegância e atmosfera, eu não estou encantado
com a proeminência de amor. O
problema é que mesmo uma
adaptação trágico-romântica exige demais da massa de espectadores que se alimentam da papinha
de Hollywood. Se alguém se atrevesse a fazer uma adaptação fiel,
temo que seria entendida apenas
por audiência minúscula.
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