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LIVROS/LANÇAMENTOS
"AS FORMIGAS DA ESTAÇÃO DE BERNA"
Obra é seleção de quatro novelas
Simbolismos de Comment desnudam vidas regulares
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
A Suíça, na nossa imaginação, é o país dos cartões-postais alpinos e o paraíso fiscal para
nossos Silveirinhas. Na ficção de
Bernard Comment, seus subterrâneos têm muito mais a dizer.
O autor chega ao Brasil com
uma seleção de quatro novelas
curtas, cuja principal, "As Formigas da Estação de Berna", dá título
ao volume. Intérprete de Roland
Barthes e discípulo do inesgotável
Jean Starobisnki, Comment é
considerado ótimo ensaísta. Suas
digressões pelas vielas da literatura também não decepcionam.
Em entrevistas, Comment reivindica a influência maior do
beatnik Jack Kerouac em sua produção literária. Mas uma primeira leitura desperta a impressão de
que se trata de Franz Kafka seu
fantasma mais presente.
Pois, ao modo de Kafka, Comment recorre a uma linguagem
quase protocolar para revelar os
não-ditos de vidas demasiado regulares. A aposta, portanto, é alcançar a perversão da norma dos
fatos por uma obsessão narrativa,
cujo trunfo é a objetividade. Dos
títulos reunidos em "As Formigas...", "O Arquivista" é o mais
exemplar desse procedimento.
A situação narrada já denota a
inclinação kafkiana do autor. Um
ex-guerrilheiro tenta fazer o governo reconhecer sua culpa como
criminoso em uma época passada. Contudo, em meio à papelada
oficial, suas ações, ou seja, àquilo
que o tornaria visível aos olhos da
história, ele simplesmente não
existe, pois não há registro algum
de seus feitos subversivos. Todo
esforço do personagem será então
no sentido de inventar uma identidade oficial, saída capaz de garantir uma existência.
Das quatro histórias, a mais saborosa é a do título, em que o
agenciamento de simbolismos
animais não resulta óbvio (ao
contrário dos pássaros-migrantes
da parábola política "As Migrações", que encerra o volume).
As formigas são tanto os mendigos que vivem nos subterrâneos
da estação (e que sozinhos já bastariam para corroer o mito da sociedade afluente e sem rupturas
como se imagina a Suíça) quanto
as figuras que ilustram as notas de
mil francos suíços. Um mendigo
um belo dia ganha uma nota de
um passante. Por mais que se esforce para trocá-la, nunca consegue (por causa das roupas esmolambadas, de seus cabelos sebosos, de sua falta de banho).
Nessa parábola simples, o alto e
o baixo da sociedade se cruzam
sem perceber. Mais que isso.
Comment reinterpreta de modo
perverso a circulação que dá verdadeiro peso à idéia de riqueza.
Intencionalmente político,
Comment faz sua crítica da hipocrisia em primeiro grau, sem precisar dar lições de moral por meio
das falas de seus personagens.
As Formigas da Estação de Berna
Autor: Bernard Comment Editora: Estação Liberdade Quanto: R$ 21 (120 págs.)
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