São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

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A babel do Bom Retiro

No centro de São Paulo, o bairro tradicional oferece opções das culinárias judaica, italiana, coreana e grega; saiba onde comer bem

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

A caminho da feira, na última quinta, duas senhoras coreanas param para comer bureka numa casa búlgara de origem judaica. Em uma rua perto dali, um judeu entra num restaurante grego. Na outra quadra, um baiano comanda, há mais de 20 anos, uma casa que faz chalá e varenike.
Todos eles pertencem a comunidades que convivem há gerações no Bom Retiro, bairro da região central de São Paulo cuja diversidade foi retratada recentemente no filme "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", dirigido por Cao Hamburger e em cartaz na cidade.
O bairro recebeu italianos; depois, judeus e gregos. Aí, chegaram os coreanos. Cada um desses povos trouxe contribuições culinárias para gastrônomo nenhum botar defeito.

O sabor das burekas
Entre lojas de tecido, casas de aviamentos e butiques, estão lugares como a Casa Búlgara, onde são feitas as irresistíveis burekas da dona Lona Levi, 79. Fugida da Guerra do Yom Kippur (1973), ela veio para o Brasil com o marido e os filhos, em 1974. Aqui, deram continuidade à atividade que os sustentava em Israel: a fabricação de queijos, iogurtes e sorvetes. Até que dona Lona teve a idéia de diversificar e vender também as burekas, já um sucesso entre os "patrícios" (membros da colônia). Deu tão certo que hoje elas são o carro-chefe da casa.
Com formato de rosquinha, a bureka é feita com uma massa folhada muito leve e crocante, que desfaz na boca. Há várias opções de recheio, mas os melhores são os de carne com berinjela e queijo búlgaro -fabricado pela própria dona Lona.
Seu queijo está também em receitas de outra casa do bairro, a Shoshi Delishop, um misto de restaurante e mercearia aberto pela filha, Shoshana, e pelo genro, Adi Baruch. Vieram para cá há 20 anos, na época da primeira Intifada -o conflito entre israelenses e palestinos.
"Todos diziam que eu cozinhava bem. Meu marido me encorajou, e nós abrimos uma mercearia para vender comida pronta. Mas as pessoas não queriam levar. Preferiam comer aqui", conta Shoshana, 57.
Das panelas da cozinha de Shoshana, que não pára um minuto e diverte os clientes ao fazer as contas em hebraico, saem pratos tipicamente judaicos como o gefilte fish (bolinho de peixe frio) e o varenike (lembra um ravióli, mas é recheado com batata e cebola). Basta chegar ao balcão e pedir o que mais lhe apetece.
Outra família que está no Bom Retiro há anos é a de David Ben Avram, 61, nascido em Belgrado. Foram os pais dele, Avraham e Matilda, os fundadores da Doceria Burikita, em 1970, casa que até hoje vende o folhado de mesmo nome, cujo formato difere do da Casa Búlgara. Além da burikita (que pode ser de queijo, batata, espinafre ou carne), o iugoslavo Avram vende doces como um strudel de papoula e o tentador doce de figo com nozes.
Na rua Guarani, fica outra casa que faz parte da história do bairro, a Menorah. Ela já foi de um judeu e de um italiano, mas atualmente pertence ao baiano Epaminondas Queiroz Pereira, 63, mais conhecido como Paulo. O "apelido" foi dado por um antigo patrão, que lhe ensinou a fazer chalá (lê-se ralá; é um pão trançado), bagel e outros produtos judaicos.

Outras imigrações
Precursora no preparo de pizzas de massa fina, a Monte Verde mantém vivo o braço italiano do Bom Retiro. Há 50 anos, Aparecido Godoy, Gino Rossi e Antonio Hornick, ex-funcionários da extinta Cantina Montenero, fundaram a Monte Verde, que também vende pratos como o filé à parmigiana. Hoje, a pizzaria é tocada por Sergio Godoy, filho de um dos fundadores. "Quando eles criaram a massa fina, falaram que isso não era pizza, que era invenção. Meu pai insistiu e pegou", diz.
A alguns quarteirões fica um dos restaurantes mais famosos do bairro, o Acrópoles. Lá, o cliente pode, antes de pedir, espiar os pratos disponíveis pela janela da cozinha. Entre moussakas, carneiros e frutos do mar de Thrassyvoulos Georgious Petrakis, 89, difícil mesmo é decidir por um só.
Não longe dali, fica o Seok Joung, um dos vários restaurantes coreanos do bairro -este com cardápio bilíngüe. Pertence à dona Hea Ja Shin Cho, 65, e à filha, Suzana Jiau Cho, 32. Dona Hea, como outros conterrâneos, veio para o país na década de 60, depois da Guerra Civil da Coréia.
De sua cozinha, saem boas surpresas. Quem ainda resiste à comida coreana pela fama que ela tem de ser apimentada deveria provar o gostoso dor sot bi bim pab (uma espécie de risoto que leva verduras, legumes, carne e gema) e o sam gue tan (um frango cozido inteiro com especiarias coreanas que deve ser encomendado antes).


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