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A babel do Bom Retiro
No centro de São Paulo, o bairro tradicional oferece opções das culinárias judaica, italiana, coreana e grega; saiba onde comer bem
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
A caminho da feira, na última
quinta, duas senhoras coreanas
param para comer bureka numa casa búlgara de origem judaica. Em uma rua perto dali,
um judeu entra num restaurante grego. Na outra quadra,
um baiano comanda, há mais
de 20 anos, uma casa que faz
chalá e varenike.
Todos eles pertencem a comunidades que convivem há
gerações no Bom Retiro, bairro
da região central de São Paulo
cuja diversidade foi retratada
recentemente no filme "O Ano
em que Meus Pais Saíram de
Férias", dirigido por Cao Hamburger e em cartaz na cidade.
O bairro recebeu italianos;
depois, judeus e gregos. Aí, chegaram os coreanos. Cada um
desses povos trouxe contribuições culinárias para gastrônomo nenhum botar defeito.
O sabor das burekas
Entre lojas de tecido, casas
de aviamentos e butiques, estão
lugares como a Casa Búlgara,
onde são feitas as irresistíveis
burekas da dona Lona Levi, 79.
Fugida da Guerra do Yom Kippur (1973), ela veio para o Brasil
com o marido e os filhos, em
1974. Aqui, deram continuidade à atividade que os sustentava em Israel: a fabricação de
queijos, iogurtes e sorvetes. Até
que dona Lona teve a idéia de
diversificar e vender também
as burekas, já um sucesso entre
os "patrícios" (membros da colônia). Deu tão certo que hoje
elas são o carro-chefe da casa.
Com formato de rosquinha, a
bureka é feita com uma massa
folhada muito leve e crocante,
que desfaz na boca. Há várias
opções de recheio, mas os melhores são os de carne com berinjela e queijo búlgaro -fabricado pela própria dona Lona.
Seu queijo está também em
receitas de outra casa do bairro,
a Shoshi Delishop, um misto de
restaurante e mercearia aberto
pela filha, Shoshana, e pelo genro, Adi Baruch. Vieram para cá
há 20 anos, na época da primeira Intifada -o conflito entre israelenses e palestinos.
"Todos diziam que eu cozinhava bem. Meu marido me
encorajou, e nós abrimos uma
mercearia para vender comida
pronta. Mas as pessoas não
queriam levar. Preferiam comer aqui", conta Shoshana, 57.
Das panelas da cozinha de
Shoshana, que não pára um minuto e diverte os clientes ao fazer as contas em hebraico,
saem pratos tipicamente judaicos como o gefilte fish (bolinho
de peixe frio) e o varenike (lembra um ravióli, mas é recheado
com batata e cebola). Basta
chegar ao balcão e pedir o que
mais lhe apetece.
Outra família que está no
Bom Retiro há anos é a de David Ben Avram, 61, nascido em
Belgrado. Foram os pais dele,
Avraham e Matilda, os fundadores da Doceria Burikita, em
1970, casa que até hoje vende o
folhado de mesmo nome, cujo
formato difere do da Casa Búlgara. Além da burikita (que pode ser de queijo, batata, espinafre ou carne), o iugoslavo
Avram vende doces como um
strudel de papoula e o tentador
doce de figo com nozes.
Na rua Guarani, fica outra casa que faz parte da história do
bairro, a Menorah. Ela já foi de
um judeu e de um italiano, mas
atualmente pertence ao baiano
Epaminondas Queiroz Pereira,
63, mais conhecido como Paulo. O "apelido" foi dado por um
antigo patrão, que lhe ensinou
a fazer chalá (lê-se ralá; é um
pão trançado), bagel e outros
produtos judaicos.
Outras imigrações
Precursora no preparo de
pizzas de massa fina, a Monte
Verde mantém vivo o braço italiano do Bom Retiro. Há 50
anos, Aparecido Godoy, Gino
Rossi e Antonio Hornick, ex-funcionários da extinta Cantina Montenero, fundaram a
Monte Verde, que também
vende pratos como o filé à parmigiana. Hoje, a pizzaria é tocada por Sergio Godoy, filho de
um dos fundadores. "Quando
eles criaram a massa fina, falaram que isso não era pizza, que
era invenção. Meu pai insistiu e
pegou", diz.
A alguns quarteirões fica um
dos restaurantes mais famosos
do bairro, o Acrópoles. Lá, o
cliente pode, antes de pedir, espiar os pratos disponíveis pela
janela da cozinha. Entre moussakas, carneiros e frutos do mar
de Thrassyvoulos Georgious
Petrakis, 89, difícil mesmo é
decidir por um só.
Não longe dali, fica o Seok
Joung, um dos vários restaurantes coreanos do bairro -este com cardápio bilíngüe. Pertence à dona Hea Ja Shin Cho, 65, e à filha, Suzana Jiau Cho,
32. Dona Hea, como outros
conterrâneos, veio para o país
na década de 60, depois da
Guerra Civil da Coréia.
De sua cozinha, saem boas
surpresas. Quem ainda resiste à
comida coreana pela fama que
ela tem de ser apimentada deveria provar o gostoso dor sot bi
bim pab (uma espécie de risoto
que leva verduras, legumes,
carne e gema) e o sam gue tan
(um frango cozido inteiro com
especiarias coreanas que deve
ser encomendado antes).
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