São Paulo, sábado, 22 de março de 1997.

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TEATRO
O texto ``A Lata de Lixo da História'' é encenado por grupo amador em sala decadente da avenida São João
Peça de Schwarz estréia em sala decadente

Niels Andreas/Folha Imagem
Ensaio da peça 'A Lata de Lixo da História'


FERNANDO DE BARROS E SILVA
especial para a Folha

Escrita em 1969, a única peça do crítico literário Roberto Schwarz, ``A Lata de Lixo da História'', estréia hoje em São Paulo, no teatro das Nações, sala Dercy Gonçalves, em montagem feita pelo grupo amador Teatro dos Narradores.
A peça abre o evento ``Aproximação das Artes'', uma iniciativa de um grupo de alunos da Faculdade de Filosofia e da Escola de Comunicações e Artes da USP que se estende até o dia 30 de abril.
Carro-chefe do evento, a atual montagem de ``A Lata de Lixo da História'' está cercada por ironias. A começar pelo local da encenação, o teatro das Nações.
Localizado na av. São João, no centro de São Paulo, o teatro é ele próprio uma espécie de lata de lixo. Conheceu seus dias de glória nos anos 60, mas desde a construção do elevado Costa e Silva, o Minhocão, em 72, se transformou junto com toda a região num imenso cortiço em deterioração.
O espaço passou a abrigar peças pornográficas e espetáculos de grupos nordestinos. O proprietário da sala há 21 anos, Corintho Giaccheri, 70, resume assim o efeito do Minhocão: ``Esse espaço virou uma privada de praça pública, uma latrina, é uma pena''.
A essa ironia involuntária, que parece tragédia, soma-se a ironia voluntária, que surge na forma de ``farsa'', palavra que está sob o título da peça e lhe indica o tom.
Concebida como paródia ao conto ``O Alienista'' (1881), de Machado de Assis, autor a que o crítico dedicou 30 anos de estudos (reunidos nos livros ``Ao Vencedor as Batatas'', de 77, e ``Um Mestre na Periferia do Capitalismo'', de 90), ``A Lata de Lixo da História'' tem como horizonte imediato os anos mais duros do regime militar e ao mesmo tempo a crítica da euforia da época.
No conto de Machado, Simão Bacamarte, o protagonista, é um renomado médico que volta da Europa à vila de Itaguaí e lá, empenhado em curar a sociedade, acaba confinando num sanatório a cidade inteira, que considera insandecida, até terminar ele próprio internado como alienado.
Na peça de Schwarz, o desajuste entre a ciência e sua aplicação ao caso brasileiro aparece na forma de esculhambação reunindo, por um lado, a ideologia da euforia brasileira e, por outro, o ``bas fond'' sinistro da tortura.
O diretor da peça, José Fernando Azevedo, diz que ``há no texto original uma expectativa de transformação social que não aconteceu. Isso tem que ser levado em conta''.
A montagem recorre à chanchada e ao teatro de revista para acentuar o tom farsesco da peça. ``É um texto problemático de ser falado, brinca muito com o jargões da época. Os atores não levam a sério o que estão falando.''

Peça: ``A Lata de Lixo de História'', de Roberto Schwarz
Direção: José Fernando Azevedo
Com: grupo Teatro de Narradores
Onde: teatro das Nações (av. São João, 1.737, região central de São Paulo)
Quando: sáb e dom, às 21h
Quanto: R$ 10


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