São Paulo, sábado, 22 de março de 1997.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

``Imaginei uma chanchada sinistra'', diz autor

especial para a Folha

No momento em que o regime militar radicalizava seus métodos de exceção e violência para desmobilizar qualquer oposição, no fim de 1968, o crítico literário Roberto Schwarz, escondido no Brasil, resolveu escrever a peça ``A Lata de Lixo de História'', imaginando, naquele contexto, uma abertura política que tomasse a forma de uma esculhambação das elites.
A peça foi encenada três vezes, sempre no âmbito amador. A montagem mais conhecida, no final dos anos 70, no pátio externo do teatro Tuca, em São Paulo, tinha o ator Paulo Betti (da novela ``A Indomada'') no papel central.
A seguir, Schwarz fala, em conversa pelo telefone, do contexto que envolvia a peça e da sua relevância atual.

Folha - Como surgiu a peça?
Roberto Schwarz -
Foi um pouco depois do AI-5. Eu estava escondido no Brasil, com o pé quebrado, e comecei a escrever. O clima estava fechando e eu imaginei então uma abertura que fosse uma esculhambação, de conveniência das elites. Se não for muita presunção, acho que estava certo.
Folha - A expectativa do desfecho otimista da peça é só irônica?
Schwarz -
Sim. O ``happy end'' da peça é de tipo brechtiano, completamente irreal, como o final da ``Ópera dos Três Vinténs''. O teatro encenado no Brasil na época, final dos anos 60, era apesar de tudo muito esperançoso, havia um clima de euforia modernista no ar. A minha peça é uma apreciação piorada da tradição brasileira.
Folha - Como essa apreciação se resolve na forma da peça?
Schwarz -
O principal do meu esforço está no ritmo, que é de chanchada sinistra. O ponto estético da peça é a ideologia da euforia brasileira com o cacete sinistro por baixo. Nesse sentido, o Simão Bacamarte recolhe muita coisa dos personagens caricatos da tradição brasileira. Há frases de Castelo Branco e Roberto Campos na boca de Bacamarte, mas numa versão sinistra, associando-os à tortura.
Folha - E por que ``O Alienista''?
Schwarz -
No Machado, há a sátira às soluções revolucionárias de 1789 e 1848 e o disparate da ideologia liberal aclimatada a terreno tão adverso. Isso entronca com a peça.
Folha - E a atualidade do texto?
Schwarz -
Saber se estamos saindo da lata de lixo ou entrando nela mais um pouco é hoje uma questão em aberto.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1997 Empresa Folha da Manhã