|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
``Imaginei uma chanchada sinistra'', diz autor
especial para a Folha
No momento em que o regime
militar radicalizava seus métodos
de exceção e violência para desmobilizar qualquer oposição, no fim
de 1968, o crítico literário Roberto
Schwarz, escondido no Brasil, resolveu escrever a peça ``A Lata de
Lixo de História'', imaginando,
naquele contexto, uma abertura
política que tomasse a forma de
uma esculhambação das elites.
A peça foi encenada três vezes,
sempre no âmbito amador. A
montagem mais conhecida, no final dos anos 70, no pátio externo
do teatro Tuca, em São Paulo, tinha o ator Paulo Betti (da novela
``A Indomada'') no papel central.
A seguir, Schwarz fala, em conversa pelo telefone, do contexto
que envolvia a peça e da sua relevância atual.
Folha - Como surgiu a peça?
Roberto Schwarz - Foi um pouco depois do AI-5. Eu estava escondido no Brasil, com o pé quebrado, e comecei a escrever. O clima estava fechando e eu imaginei
então uma abertura que fosse uma
esculhambação, de conveniência
das elites. Se não for muita presunção, acho que estava certo.
Folha - A expectativa do desfecho otimista da peça é só irônica?
Schwarz - Sim. O ``happy end''
da peça é de tipo brechtiano, completamente irreal, como o final da
``Ópera dos Três Vinténs''. O teatro encenado no Brasil na época,
final dos anos 60, era apesar de tudo muito esperançoso, havia um
clima de euforia modernista no ar.
A minha peça é uma apreciação
piorada da tradição brasileira.
Folha - Como essa apreciação se
resolve na forma da peça?
Schwarz - O principal do meu
esforço está no ritmo, que é de
chanchada sinistra. O ponto estético da peça é a ideologia da euforia
brasileira com o cacete sinistro por
baixo. Nesse sentido, o Simão Bacamarte recolhe muita coisa dos
personagens caricatos da tradição
brasileira. Há frases de Castelo
Branco e Roberto Campos na boca
de Bacamarte, mas numa versão
sinistra, associando-os à tortura.
Folha - E por que ``O Alienista''?
Schwarz - No Machado, há a sátira às soluções revolucionárias de
1789 e 1848 e o disparate da ideologia liberal aclimatada a terreno tão
adverso. Isso entronca com a peça.
Folha - E a atualidade do texto?
Schwarz - Saber se estamos
saindo da lata de lixo ou entrando
nela mais um pouco é hoje uma
questão em aberto.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|