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TEATRO
FESTIVAL DE CURITIBA
Aos 40 anos de carreira, atriz que fundou o Ornitorrinco protagoniza peça do alemão que estréia hoje
Vergueiro vive Coragem de Bertolt Brecht
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Um tanto de Hécuba, a desalentada rainha da tragédia grega "As
Troianas", de Eurípides, que clama sua miséria diante do destino.
E outro tanto de Nanã Buruquê, a
mais temida de todos os orixás na
mitologia africana, associada à
maternidade, mas também à
morte.
Universos aparentemente distintos ajudam Maria Alice Vergueiro a conceber sua personagem-título em "Mãe Coragem e
Seus Filhos", a peça do alemão
Bertolt Brecht que ganha nova
montagem brasileira após 40
anos, sob direção de Sérgio Ferrara (a produção de 1960, com Lélia
Abramo, foi dirigida por Alberto
D'Aversa).
A estréia acontece hoje, segundo dia do 11º Festival de Teatro de
Curitiba, na Mostra Oficial.
Para Vergueiro, 66, Coragem é
uma mulher do povo. Age ao sabor do aqui e do agora para prover a mesa.
Como um ambulante contemporâneo, ela usa uma carroça para vender comida a soldados em
guerra. Guerra que, para ela, é negócio como outro qualquer, como o seu ganha-pão.
Brecht (1898-1956) situa a peça
na Guerra dos Tinha Anos, que
ocorreu no século 17 e envolveu
católicos e protestantes da Suécia,
Polônia e Alemanha.
Os filhos de Coragem entram
para o exército protestante. Com
a chegada dos católicos, ela muda
de lado. Os filhos são mortos no
conflito bélico-religioso. A filha,
muda, também é assassinada.
Entre os acontecimentos de
fundo histórico e as tragédias pessoais, a personagem de Vergueiro
mantém a sua carroça (e negócio)
em marcha.
É, talvez, a menos revolucionária das mães de Brecht. Vide Pelágia em "A Mãe" e Carrar em "Os
Fuzis da Senhora Carrar", esta última já interpretada pela atriz.
"Como anti-heroína, Coragem
não tem aquela postura imanente
das mulheres, mas sim a impetuosidade masculina. Sai, vai à luta, locomove-se. Ela é muito animal, atávica, preocupada em cuidar da cria", afirma a atriz.
Maria Alice Vergueiro completa
40 anos de carreira este ano,
quando também comemora os 25
anos do Ornitorrinco. A atriz ajudou a fundar o grupo em 77, ao lado de Cacá Rosset e Luiz Roberto
Galizia.
Ferrara resgatou textos "esquecidos" de Plínio Marcos como
"Barrela" e "Abajur Lilás", peças
que não eram montadas há 40 e
20 anos, respectivamente. Ele
identifica em Coragem a sintonia
com os personagens do dramaturgo santista.
Há em comum a sobrevivência
a qualquer custo, mesmo quando
se despenca do abismo. "Adoro
personagens diante do abismo. Se
eles realmente se jogam, é porque
também buscam uma possibilidade de luz", diz Ferrara, 34.
O diretor recorre a uma definição do pesquisador Gerd Borheim, especialista em Brecht, para
quem "Mãe Coragem" (a nova
produção agregou "e Seus Filhos"
ao título) é sustentada pelo seguinte tripé: a mãe, a carroça e a
guerra. Também lhe interessa o
conceito de peregrinação dos personagens em um mundo caótico,
seja ele atual ou de séculos atrás.
Segundo ele, Brecht alia crítica
social e reflexão. "O público tem
de parar de ir ao teatro em busca
da empatia com os personagens.
Acomodarmo-nos ao sentimento
humano não é confortável, ao
contrário, os verdadeiros sentimentos humanos são transgressores", afirma o diretor.
Distanciamento
Ferrara diz que visita Brecht
com distanciamento. "O bom de
ter de montá-lo é que não o respeito tanto. Só é possível contribuir com o dramaturgo quando
se caminha ao seu lado, não atrás
dele, tomando-o por ícone."
Contracenam com Vergueiro,
entre outros, José Rubens Chachá, Luciano Chirolli, Rubens Caribé, Mariana Muniz, Beatriz Tratemberg e Sérvulo Augusto.
J.C. Serroni assina a cenografia,
David de Brito, a iluminação, e
Leopoldo Pacheco e Marco Lima,
os figurinos.
A direção musical é de Miguel
Briamonte e Abel Rocha, cujas
composições dialogam com as
nove canções originais de Paul
Dessau, parceiro de Brecht. "Mãe
Coragem" foi traduzida por Alberto Guzik.
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