São Paulo, sexta-feira, 22 de março de 2002

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"UMA LIÇÃO DE AMOR"

Drama faz chantagem emocional com espectador

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Sam Dawson é um beatlemaníaco com tendências autistas e deficiência mental. Ele herdou, de uma sem-teto grávida que ficou abrigada em sua casa, uma filha, Lucy (in the sky with) Diamonds Dawson, criada com o auxílio de seus amigos, também deficientes.
Sean Penn é um ator talentoso cujos méritos ainda não foram devidamente reconhecidos pela Academia. Ele tenta ganhar, na pele de Sam, seu primeiro Oscar, explorando a sintomática atração que personagens com anomalias físicas e/ou mentais costumam exercer sobre os confrades de Hollywood.
Penn se serve da direção inexperiente de Jessie Nelson para reforçar as minúcias de sua atuação, cercando-se de um elenco de fato deficiente para garantir maior autenticidade da performance.
"Uma Lição de Amor" poderia ter a despretensão de um conto cassavetiano. "All you need is love", declara Lucy aos juízes que ameaçam separá-la de Sam.
A lição que a garota aprendeu com o pai beatlemaníaco, a diretora e co-roteirista Nelson poderia ter tomado de John Cassavetes: tal como a personagem histérico-esquizofrênica de Gena Rowlands em "A Woman under the Influence", Sam transcende as barreiras impostas pela sociedade movido pelo amor filial.
Por conservar o espírito da infância, Sam consegue ser um bom pai para Lucy, mas, quando esta começa a superar a sua limitada capacidade intelectual, a de uma criança de sete anos, o primeiro drama se instala: a garota, que não quer deixar os limites do universo mental paterno para trás, passa a ter problemas de desempenho na escola.
Jessie Nelson troca então o âmbito domiciliar pelo institucional, com o intuito de buscar legitimidade para o seu drama na questão jurídico-educacional que o permeia: pode, realmente, uma criança normal ser educada por um deficiente mental?
Os limites dramatúrgicos de Nelson, sua incapacidade em levar o drama pessoal de Sam até o fim, demonstrados por sua adesão ao velho "sistema de julgamento" do cinema americano, só não se revelam então maiores do que a obsessão hollywoodiana pela fórmula do espectador-juiz.
Colocando sub judice a "capacidade pedagógica" de Sam, Jessie Nelson pode voltar a exprimir, sem culpas, sua simpatia pela personagem. O julgamento funciona como um álibi para a (velha) chantagem emocional do drama: independentemente agora do fato de julgarmos se Sam é capaz ou não de educar Lucy, haveremos de nos emocionar com as peculiaridades de sua percepção, as manifestações de sua diferença. O drama, como se vê, é politicamente correto.
Eis a função no filme da personagem de Michelle Pfeiffer, uma advogada bem-sucedida que recupera a estima do filho ao aprender com Sam, seu inusitado cliente, a tal "lição de amor". É assim que o lacrimogêneo acaba em pizza, em um dispensável merchandising da Pizza Hut.


Uma Lição de Amor
I Am Sam   
Direção: Jessie Nelson
Produção: EUA, 2001
Com: Sean Penn, Michelle Pfeiffer, Dakota Fanning
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Eldorado, Morumbi, Pátio Higienópolis e circuito


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