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ANÁLISE
Mesmo oficial, leitura do artista é saborosíssima
DA REPORTAGEM LOCAL
Nelson Gonçalves é daquelas vidas de artista que
dariam bem mais que um documentário -um romance, um filme-biografia, uma minissérie de
TV... O intérprete do magrelo loucão que cantava como ninguém
não seria, por certo, o parrudo
Alexandre Borges, mas que a história daria um filme, ah, daria.
Sabendo disso, o diretor de
"Nelson Gonçalves", Eliseu
Ewald, encarou a empreitada,
mas acabou optando pela meia
decisão do hibridismo e fez um
dito "docudrama".
Sobre o modo como revisa a vida do cantor, o trabalho é híbrido,
também. Esmera-se em obter
imagens de praticamente toda a
riquíssima galeria de cantores e
cantoras da época áurea da canção popular brasileira, o que já
não seria possível num filme apenas de ficção.
Amontoam-se na tela imagens
incríveis e pouquíssimo vistas em
dias atuais de todo o mundo artístico que conviveu com Nelson. Se
puro documentário, o filme identificaria tantos astros e estrelas,
um por um. No contexto, não cabe, infelizmente.
Por outro lado, há a dramatização. O "docudrama" vende, segundo seu diretor, a versão dos fatos que o próprio Nelson espalhava. A cantora Betty White aparece
incendiando-se de desespero à
vista do galã, e é o que o espectador do filme sai sabendo.
Versões contraditórias da morte da amante de Nelson subsistem
até hoje -suicídio, assassinato,
acidente com gás de cozinha... O
"docudrama", tal qual ficção, crava a preferida do biografado. E a
história segue sem solução.
É um exemplo, e o filme tem vários parecidos. A tendência à oficialidade transparece também no
tratamento dado à gravadora de
vida toda de Nelson, ex-RCA,
atual BMG.
Apoiadora do filme, a gravadora aparece meio heróica, pendurando pintura do artista na parede de entrada e tecendo loas ao
velho seresteiro. Será que a relação era esse mar de rosas todo?
O filme não responde (nem pretende) e, por lacunas como essa,
vai transmitindo uma leitura oficial (e ainda assim saborosíssima)
de Nelson Gonçalves.
Não se perde por isso o vigor da
narrativa -ali estão as imagens,
as canções sempre impressionantes na voz do dono, aqui e ali até as
dramatizações. Só se esquece de
avisar o incauto freguês que ali está um recorte ideológico da história, e não a história inteira.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
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