São Paulo, terça-feira, 22 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Labirinto de emoções

Divulgação
Felipe Camargo em cena de "Jogo Subterrâneo"


Em "Jogo Subterrâneo", Roberto Gervitz ambienta conto do argentino Julio Cortázar no subsolo paulistano

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Um homem inventa um jogo de regras rígidas para encontrar a mulher da sua vida. Traça previamente um trajeto de metrô, com as devidas conexões, entra num vagão e escolhe ao acaso uma mulher atraente, atribuindo-lhe um nome fictício. Se ela realizar rigorosamente o trajeto imaginado, será a eleita.
Desse exíguo e poderoso entrecho, tirado do conto "Manuscrito Encontrado em um Bolso", do argentino Julio Cortázar (1914-84), o cineasta Roberto Gervitz, 47, construiu o longa-metragem "Jogo Subterrâneo", transportando a ação do metrô de Paris para o de São Paulo.
No conto, publicado no livro "Octaedro", o protagonista não tem nome. Nas telas, ele se chama Martin e é vivido por Felipe Camargo. A mulher que chega para bagunçar seu jogo é Ana (Maria Luisa Mendonça).
O filme entra em cartaz dia 1º de abril. Antes disso, em 29 de março, será exibido no projeto Vivo Open Air.
O sonho de levar essa história às telas levou 15 anos para se concretizar. "Quando li o conto de Cortázar, o que me tocou foi a solidão daquele personagem, sua busca louca, por meio de um jogo aparentemente livre e romântico, porém desenganado -no fundo, uma armadilha negadora da vida. A luta entre o desejo e a razão, escudo do medo. Isso foi o que sempre me interessou nesse conto", diz o diretor, que não realizava um longa-metragem desde "Feliz Ano Velho" (1988), seu filme de estréia.
Nesse longo intervalo, Gervitz fez publicidade (dirigiu, por exemplo, a série "Gente que Faz", para um banco), documentários e filmes educativos, enquanto amadurecia seu projeto subterrâneo.
O cineasta escreveu o roteiro com Jorge Durán. "Mantivemos a idéia de um homem sem passado, bem como a ausência de explicação psicológica ou de qualquer outra ordem para a existência do jogo, porém construímos um personagem de carne e osso, com nome, profissão e moradia", diz Gervitz.
Num primeiro momento, o diretor quis fazer o filme em Buenos Aires e chegou a ter um co-produtor na Argentina. Mas as instabilidades econômicas dos dois lados da fronteira e as limitações de orçamento fizeram Gervitz mudar de idéia.
"Hoje acho que o filme ganhou muito sendo feito no metrô paulistano. Em Buenos Aires corríamos o risco de ser seduzidos pelo classicismo da cidade, pelo seu metrô antigo, com estações em estruturas de ferro. Com o tempo, percebi que o metrô "high-tech", de linhas retas, ultra-racionalizado, de São Paulo, um ambiente frio de metrópole moderna, faria um contraponto mais poderoso à história de amor inusitada e radical que eu estava contando", explica Gervitz.

O metrô como set
Dos 70 dias de filmagem, entre julho e outubro de 2003, 31 se concentraram no metrô, onde as cenas eram rodadas de madrugada, fora do horário de funcionamento dos trens.
"Para filmar no metrô, nos preparamos de forma muito rigorosa, pois nada podia sair errado. Pense que a Companhia do Metrô tinha que mobilizar funcionários, composições, linhas e estações do terceiro metrô mais denso do mundo. Para essa parte do filme, que quase não tem diálogos, fiz uma decupagem desenhada plano a plano."
Para dar agilidade à produção e poder filmar com pouca luz, o diretor de fotografia Lauro Escorel rodou tudo em super-16 mm, com posterior ampliação para 35 mm. Algumas cenas foram filmadas também no litoral de Santa Catarina (Florianópolis, Laguna, Farol de Santa Marta).
O resultado de todo esse empenho técnico e estético é um filme delicado, introspectivo, que trafega na contramão do cinema brasileiro recente, no qual predominam a temática da violência urbana ou, no outro extremo, o besteirol televisivo.
"Meu filme foge ao naturalismo hegemônico no cinema atual que se apropria deliberadamente da estética documental para nos convencer de que aquilo é um espelho do real e não um recorte." ""Jogo Subterrâneo" anda numa linha tênue, pois se trata de uma fábula moderna, com um tom quase onírico, embora seja esteticamente realista, não alegórico", define o diretor.


Texto Anterior: Programação
Próximo Texto: Crítica: Filme desdobra o embate entre acaso e destino
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.