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CRÍTICA
Filme desdobra o embate entre acaso e destino
DO COLUNISTA DA FOLHA
O metrô é, por excelência, o
ambiente do acaso na sociedade contemporânea. Lugar de
encontros e desencontros, de destinos que se cruzam fugazmente,
de ocultos desejos e promessas.
Não foi à toa que Cortázar situou
nesse reino subterrâneo vários de
seus relatos. No conto "Manuscrito Encontrado em um Bolso", o
metrô, com sua múltipla rede de
trajetos e possibilidades, é quase
uma metáfora do inconsciente.
Se o texto de Cortázar é pura literatura, em que a linguagem não
está "a serviço" de um retrato da
realidade, mas é um corpo vivo
aberto à experimentação, algo
análogo se passa no filme de Roberto Gervitz.
"Jogo Subterrâneo" é, antes de
tudo, puro cinema, especialmente
em sua primeira parte. Minutos a
fio de narrativa visual, sem diálogos, sem locução em "off": há
quanto tempo não se via isso no
cinema brasileiro, hoje tão amesquinhado pelos truques e muletas
da televisão?
Com recursos unicamente cinematográficos, de enquadramento, montagem, ritmo e música,
mergulhamos imediatamente no
drama peculiar do protagonista
Martin (Felipe Camargo).
Ao desdobrar esse drama em
personagens e situações não existentes no conto, Gervitz assumiu
uma postura de risco.
Além da personagem-chave feminina, Ana (Maria Luisa Mendonça), que acaba por colocar em
xeque o jogo que o protagonista
inventou para si mesmo, duas outras mulheres entram casualmente em sua vida.
Também o mistério ao redor de
Ana vai sendo desvelado com o
aparecimento dos sinistros personagens que a oprimem. Saímos
aqui do ponto de vista de Martin,
o que nunca ocorre no conto.
A entrada em cena de todas essas figuras, se por um lado amplia
o espectro dramático do filme,
por outro lado dilui um pouco a
tensão erótico-afetiva do casal
protagonista, que é também a tensão entre acaso e destino, desejo e
medo.
O diálogo de Martin com uma
escritora cega (Julia Lemmertz),
em particular, explicita demais o
sentido do filme, já contido em
suas poderosas imagens. Nada
disso, porém, tira o brilho, a originalidade e a coragem desse raro e
bem-vindo "filme de cinema".
Jogo Subterrâneo
Produção: Brasil, 2004
Com: Felipe Camargo, Maria Luisa
Mendonça, Daniela Escobar
Quando: estréia dia 1º de abril
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