São Paulo, terça-feira, 22 de março de 2005

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CRÍTICA

Filme desdobra o embate entre acaso e destino

DO COLUNISTA DA FOLHA

O metrô é, por excelência, o ambiente do acaso na sociedade contemporânea. Lugar de encontros e desencontros, de destinos que se cruzam fugazmente, de ocultos desejos e promessas. Não foi à toa que Cortázar situou nesse reino subterrâneo vários de seus relatos. No conto "Manuscrito Encontrado em um Bolso", o metrô, com sua múltipla rede de trajetos e possibilidades, é quase uma metáfora do inconsciente.
Se o texto de Cortázar é pura literatura, em que a linguagem não está "a serviço" de um retrato da realidade, mas é um corpo vivo aberto à experimentação, algo análogo se passa no filme de Roberto Gervitz.
"Jogo Subterrâneo" é, antes de tudo, puro cinema, especialmente em sua primeira parte. Minutos a fio de narrativa visual, sem diálogos, sem locução em "off": há quanto tempo não se via isso no cinema brasileiro, hoje tão amesquinhado pelos truques e muletas da televisão?
Com recursos unicamente cinematográficos, de enquadramento, montagem, ritmo e música, mergulhamos imediatamente no drama peculiar do protagonista Martin (Felipe Camargo).
Ao desdobrar esse drama em personagens e situações não existentes no conto, Gervitz assumiu uma postura de risco.
Além da personagem-chave feminina, Ana (Maria Luisa Mendonça), que acaba por colocar em xeque o jogo que o protagonista inventou para si mesmo, duas outras mulheres entram casualmente em sua vida.
Também o mistério ao redor de Ana vai sendo desvelado com o aparecimento dos sinistros personagens que a oprimem. Saímos aqui do ponto de vista de Martin, o que nunca ocorre no conto.
A entrada em cena de todas essas figuras, se por um lado amplia o espectro dramático do filme, por outro lado dilui um pouco a tensão erótico-afetiva do casal protagonista, que é também a tensão entre acaso e destino, desejo e medo.
O diálogo de Martin com uma escritora cega (Julia Lemmertz), em particular, explicita demais o sentido do filme, já contido em suas poderosas imagens. Nada disso, porém, tira o brilho, a originalidade e a coragem desse raro e bem-vindo "filme de cinema".


Jogo Subterrâneo
   
Produção: Brasil, 2004
Com: Felipe Camargo, Maria Luisa Mendonça, Daniela Escobar
Quando: estréia dia 1º de abril



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