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MERCADO FONOGRÁFICO
Presidente da federação internacional das gravadoras fala sobre os novos números do setor
Indústria festeja venda digital de canções
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dos homens mais influentes
do mundo fonográfico, o britânico John Kennedy, 53, está no Brasil. Presidente da IFPI (Federação
Internacional da Indústria Fonográfica), este inglês fã de U2, Van
Morrison e Waterboys comanda
a reunião anual da entidade. Na
pauta, os problemas do mercado
na América Latina.
Na bagagem, trouxe relatório
que festeja o aumento das vendas
de música digital, área que nos últimos anos causou a maior dor de
cabeça para os executivos de gravadoras.
A seguir, Kennedy fala um pouco mais sobre o assunto.
Folha - A indústria fonográfica
parece estar numa crise enorme.
Qual o tamanho do problema?
John Kennedy - A indústria fonográfica passa por inúmeros
problemas, mas está fazendo o
possível para resolvê-los. Temos
que lembrar que a música é o produto mais consumido no mundo
industrializado. Mas, infelizmente, nem todos estão pagando por
isso. Esse é o nosso maior desafio.
Folha - Com artistas gravando em
estúdios caseiros e vendendo canções direto ao público, as gravadoras estão se tornando supérfluas?
Kennedy - Não. Há artistas que
preferem seguir esse caminho, e
certamente as gravadoras não vão
se opor a ninguém que queira
vender suas canções. Mas ir à internet é como gritar no espaço,
porque há muita coisa ali. Você
precisa de alguém que tenha
know-how, precisa de conselhos
para gravar um disco, precisa de
conselhos de marketing, precisa
de alguém que distribua seu material. Claro que alguns conseguirão achar um caminho longe das
gravadoras, um grande exemplo é
a banda Arctic Monkeys, que iniciou dando músicas de graça pela
internet. Eles ficaram populares
sem o envolvimento de uma gravadora. Mas a primeira coisa que
eles fizeram depois foi assinar
contrato com uma gravadora.
Porque queriam viver de música.
Folha - Sobre o Arctic Monkeys, o
sr. não acha que o sucesso deles é
uma lição às gravadoras, que não
investem em novos artistas?
Kennedy - Se voltar no tempo,
uns 20 anos, o que acontecia é que
antes de gravar discos, as bandas
faziam muitos shows e se tornavam populares no boca-a-boca.
Aí apareciam gravadoras, assinavam contratos e faziam os discos.
Mas, sim, acho que o que o Arctic
Monkeys conseguiu é uma coisa
nova, um formato que deu certo,
mas não significa que os artistas
não precisarão de gravadoras.
Folha - No último relatório da IFPI, vocês comemoram um aumento
nas vendas de música on-line. Mas
esses números ainda são pequenos
se comparados aos downloads ilegais...
Kennedy - É difícil competir com
o que é de graça. Mas, na Inglaterra e na Alemanha, há mais gente
consumindo música digital legalizada do que ilegal. A tarefa é fazer
isso se repetir no mundo todo.
Folha - As vendas on-line chegam
a 6% do mercado total. O quanto
esse número pode aumentar?
Kennedy - Em 2010, o mercado
será 25% digital e 75% "físico". Isso está até mais lento do que esperávamos. Em 1996, uma companhia de pesquisas estimou que
hoje não existiriam mais CDs.
Folha - O sr. não acha que a indústria fonográfica errou ao tratar a
internet como inimiga?
Kennedy - No mundo inteiro,
muita gente me diz que a indústria agiu errado em relação à internet. A única coisa que ninguém
me diz é o que deveríamos ter feito. Viajo o mundo todo, falo com
pessoas inteligentes, professoras,
governantes, ministros, e ninguém diz: "Isso é o que a indústria
deveria ter feito". Não tenho conhecimento de outras indústrias
que tenham lidado com um problema novo tão bem como nós.
Folha - Uma das estratégias foi
processar pessoas. Vimos crianças
e adolescentes sendo processados.
Isso não foi um exagero?
Kennedy - Não acho. O que fazemos, em todos os países em que
existem esses processos, é dizer às
pessoas: "A lei é esta. Você está infringindo a lei. Não faça isso". Fizemos campanhas pela imprensa,
avisamos que iríamos processá-las. Mandamos mensagens a elas:
"Você está fazendo downloads
ilegais. Não faça isso". Se continuassem, mandávamos uma carta de alerta. Se não adiantasse, era
como uma afronta, como se dissessem que não se importavam
em roubar músicas.
Folha - Na Europa, no Japão e nos
EUA existem vários sites que oferecem venda de música on-line. No
Brasil isso é quase inexistente...
Kennedy - Sim, é como a situação da galinha e do ovo. No momento, há tanto download ilegal
que muita gente acha difícil construir um negócio em cima disso.
Folha - Gilberto Gil, o ministro da
Cultura brasileiro, é um defensor
da licença Creative Commons, que
altera o formato do direito autoral.
O sistema atual de copyright não
necessita de mudanças?
Kennedy - O copyright precisa
acompanhar a evolução do mundo tecnológico, mas não acho que
precisa de uma mudança tão dramática. Quanto ao Gilberto Gil,
acho que o que ele deveria propor
é uma escolha; se ele ou outra pessoa decide fornecer suas músicas
de graça, não há nada na lei que o
impeça de fazer isso. Mas será
quase impossível viver de música.
Mas se encarar como um profissional, você deve ter o direito de
ser pago por sua música. Se Gilberto Gil quer dar sua música de
graça, tem esse direito. Mas não
tem o direito de obrigar outros a
fazerem o mesmo.
Folha - Um dos problemas da indústria é a pirataria de CDs. Mas as
pessoas reclamam que a pirataria
existe porque os CDs legalizados
são muito caros...
Kennedy - Música sempre sofreu
com isso. Se não posso comprar
um BMW porque é um carro
muito caro, não é por isso que vou
roubá-lo. Música tem um preço. É
uma indústria que gasta muito dinheiro para promover seus artistas. É a indústria que mais investe
em desenvolvimento, muito mais
do que as indústrias tecnológicas,
farmacêuticas, de mídia. É um negócio caro. Acho que US$ 0,99 por
uma música, que é uma obra de
arte, que você pode ouvir quando
quiser, é um preço justo a pagar.
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