São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 2006

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MERCADO FONOGRÁFICO

Presidente da federação internacional das gravadoras fala sobre os novos números do setor

Indústria festeja venda digital de canções

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL


Um dos homens mais influentes do mundo fonográfico, o britânico John Kennedy, 53, está no Brasil. Presidente da IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica), este inglês fã de U2, Van Morrison e Waterboys comanda a reunião anual da entidade. Na pauta, os problemas do mercado na América Latina.
Na bagagem, trouxe relatório que festeja o aumento das vendas de música digital, área que nos últimos anos causou a maior dor de cabeça para os executivos de gravadoras.
A seguir, Kennedy fala um pouco mais sobre o assunto.

 

Folha - A indústria fonográfica parece estar numa crise enorme. Qual o tamanho do problema?
John Kennedy -
A indústria fonográfica passa por inúmeros problemas, mas está fazendo o possível para resolvê-los. Temos que lembrar que a música é o produto mais consumido no mundo industrializado. Mas, infelizmente, nem todos estão pagando por isso. Esse é o nosso maior desafio.

Folha - Com artistas gravando em estúdios caseiros e vendendo canções direto ao público, as gravadoras estão se tornando supérfluas?
Kennedy -
Não. Há artistas que preferem seguir esse caminho, e certamente as gravadoras não vão se opor a ninguém que queira vender suas canções. Mas ir à internet é como gritar no espaço, porque há muita coisa ali. Você precisa de alguém que tenha know-how, precisa de conselhos para gravar um disco, precisa de conselhos de marketing, precisa de alguém que distribua seu material. Claro que alguns conseguirão achar um caminho longe das gravadoras, um grande exemplo é a banda Arctic Monkeys, que iniciou dando músicas de graça pela internet. Eles ficaram populares sem o envolvimento de uma gravadora. Mas a primeira coisa que eles fizeram depois foi assinar contrato com uma gravadora. Porque queriam viver de música.

Folha - Sobre o Arctic Monkeys, o sr. não acha que o sucesso deles é uma lição às gravadoras, que não investem em novos artistas?
Kennedy -
Se voltar no tempo, uns 20 anos, o que acontecia é que antes de gravar discos, as bandas faziam muitos shows e se tornavam populares no boca-a-boca. Aí apareciam gravadoras, assinavam contratos e faziam os discos. Mas, sim, acho que o que o Arctic Monkeys conseguiu é uma coisa nova, um formato que deu certo, mas não significa que os artistas não precisarão de gravadoras.

Folha - No último relatório da IFPI, vocês comemoram um aumento nas vendas de música on-line. Mas esses números ainda são pequenos se comparados aos downloads ilegais...
Kennedy -
É difícil competir com o que é de graça. Mas, na Inglaterra e na Alemanha, há mais gente consumindo música digital legalizada do que ilegal. A tarefa é fazer isso se repetir no mundo todo.

Folha - As vendas on-line chegam a 6% do mercado total. O quanto esse número pode aumentar?
Kennedy -
Em 2010, o mercado será 25% digital e 75% "físico". Isso está até mais lento do que esperávamos. Em 1996, uma companhia de pesquisas estimou que hoje não existiriam mais CDs.

Folha - O sr. não acha que a indústria fonográfica errou ao tratar a internet como inimiga?
Kennedy -
No mundo inteiro, muita gente me diz que a indústria agiu errado em relação à internet. A única coisa que ninguém me diz é o que deveríamos ter feito. Viajo o mundo todo, falo com pessoas inteligentes, professoras, governantes, ministros, e ninguém diz: "Isso é o que a indústria deveria ter feito". Não tenho conhecimento de outras indústrias que tenham lidado com um problema novo tão bem como nós.

Folha - Uma das estratégias foi processar pessoas. Vimos crianças e adolescentes sendo processados. Isso não foi um exagero?
Kennedy -
Não acho. O que fazemos, em todos os países em que existem esses processos, é dizer às pessoas: "A lei é esta. Você está infringindo a lei. Não faça isso". Fizemos campanhas pela imprensa, avisamos que iríamos processá-las. Mandamos mensagens a elas: "Você está fazendo downloads ilegais. Não faça isso". Se continuassem, mandávamos uma carta de alerta. Se não adiantasse, era como uma afronta, como se dissessem que não se importavam em roubar músicas.

Folha - Na Europa, no Japão e nos EUA existem vários sites que oferecem venda de música on-line. No Brasil isso é quase inexistente...
Kennedy -
Sim, é como a situação da galinha e do ovo. No momento, há tanto download ilegal que muita gente acha difícil construir um negócio em cima disso.

Folha - Gilberto Gil, o ministro da Cultura brasileiro, é um defensor da licença Creative Commons, que altera o formato do direito autoral. O sistema atual de copyright não necessita de mudanças?
Kennedy -
O copyright precisa acompanhar a evolução do mundo tecnológico, mas não acho que precisa de uma mudança tão dramática. Quanto ao Gilberto Gil, acho que o que ele deveria propor é uma escolha; se ele ou outra pessoa decide fornecer suas músicas de graça, não há nada na lei que o impeça de fazer isso. Mas será quase impossível viver de música. Mas se encarar como um profissional, você deve ter o direito de ser pago por sua música. Se Gilberto Gil quer dar sua música de graça, tem esse direito. Mas não tem o direito de obrigar outros a fazerem o mesmo.

Folha - Um dos problemas da indústria é a pirataria de CDs. Mas as pessoas reclamam que a pirataria existe porque os CDs legalizados são muito caros...
Kennedy -
Música sempre sofreu com isso. Se não posso comprar um BMW porque é um carro muito caro, não é por isso que vou roubá-lo. Música tem um preço. É uma indústria que gasta muito dinheiro para promover seus artistas. É a indústria que mais investe em desenvolvimento, muito mais do que as indústrias tecnológicas, farmacêuticas, de mídia. É um negócio caro. Acho que US$ 0,99 por uma música, que é uma obra de arte, que você pode ouvir quando quiser, é um preço justo a pagar.


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